segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Sem-nome e partidas

Há a realidade e há o medo. A realidade do medo da folha de papel em branco me encarando. O medo da realidade que pode ser revelada por ela. A realidade dos escritos sem destinatário que ecoam medos em sua superfície. O que é escrito é como a fotografia revelada. E se o filme tivesse sido queimado, mofado, esquecido no fundo da sua gaveta de meias encardidas? Quisera poder esquecê-lo; tudo que é ideado e prometido. Mas a mente insiste em firmar suas armadilhas. O que eu sinto é real, mas o que escrevo é cópia dos grandes mestres. O sem-nome abarca o eu, o tu, o ele. O sem-nome é tudo. O eu... que palavra-conceito desprezível. Que prisão. Quando sou eu, sou densa. Quando tento olhar além de mim, me desmorono. “A língua transforma o caos em cosmos”... que falácia de linguista. Nem quando ouso me expressar é expelida a verdade. Mas há o medo da verdade. Ou o medo de que a verdade seja inescrutável? A escuta não é contraparte necessária da fala e falamos sozinhos indefinidamente. Havia olhos no escuro, ou pelo menos foi o que sonhei. Houve o conforto ilusório da palavra. Palavra que é pássaro e admiramos noite adentro. O pássaro também não tem nome. Ele tem asas e não as utiliza. Suas plumas brancas estão sujas de terra nas pontas. Mas ele goza de aparente liberdade. Liberdade – medo irreal. Palavra-pássaro. Promessa-prisão. Ele tem nome, mas você o esqueceu. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Emily Dickinson (1830–86).  Complete Poems.  1924.


Part One: Life

LII
VICTORY comes late,
And is held low to freezing lips
Too rapt with frost
To take it.
How sweet it would have tasted,
Just a drop!
Was God so economical?
His table’s spread too high for us
Unless we dine on tip-toe.
Crumbs fit such little mouths,
Cherries suit robins;
The eagle’s golden breakfast
Strangles them.
God keeps his oath to sparrows,
Who of little love
Know how to starve!

LXXVIII

TO learn the transport by the pain,
As blind men learn the sun;
To die of thirst, suspecting
That brooks in meadows run;
  
To stay the homesick, homesick feet
Upon a foreign shore
Haunted by native lands, the while,
And blue, beloved air—
  
This is the sovereign anguish,
This, the signal woe!
These are the patient laureates
Whose voices, trained below,
  
Ascend in ceaseless carol,
Inaudible, indeed,
To us, the duller scholars
Of the mysterious bard!

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Corpo de madeira
frágil forma esculpida
pelas mãos insuspeitas
do artesão.

Assim, ele me toma para si.


A mudez é surda onde
sequer ousam ressonar
as juntas amedrontadas
sobre seus joelhos rijos.
O coração sói estar vivo,
onde a libertação última
é o suicídio.

O corpo de macho
do ardiloso ventríloquo
ordena-me e eu sorrio
senta-te e te sirvo
deita-te e te aprazo
silencia-me.

Corpo de fêmea,
território a ser clamado,
cerceado, devastado,
erodido, abandonado.
Louca! Estúpida!
É a mulher que foge
e vive sem mordaça.

Há que preferir a resignação:
sentar em seu colo,
estar de joelhos,
mas nunca a seu lado.
Mulher quando convém:
boneca infalível de corpo alienado.