terça-feira, 3 de novembro de 2015

Insoníaca

Nor was I hungry; so I found
That hunger was a way
Of persons outside windows,
The entering takes away.
Emily Dickinson 


Pensando três, quatro, cinco vezes antes de falar pra alguém alguma coisa. Tentando engolir no processo. Não é possível que ninguém entenda. Somos todos feitos da mesma matéria, da mesma mediocridade cotidiana. E da mesma mesquinhez. Não é que eles não entendam, é só que não se importam. Ou se importam, mas não querem sentir. Querem que você sorria, deixe de lado. Volte a ser feliz, vamos lá, só sorria, daqui a pouco você consegue acreditar que é de verdade. Preciso do meu amigo imaginário de volta. Mas como, sequer me resta alguma imaginação. Passo o dia todo do lado do telefone. Cansei de revisitar memórias vazias. Espero por algo. Observo a luz intermitente no escuro. Parece um farol. Agora falta a maresia. Agora falta a brisa noturna. O reflexo incessante daquela luzinha pode ser uma estrela. O barulho dos carros pode ser as ondas do mar. Praia eterna dentro de mim. Não preciso deixar meu quarto. Não preciso fechar os olhos. Não precisas escutar. Impaciente, observo. Aguardo. Os ruídos mínimos - conforto noturno. 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Elegia

não é verdade
se te disserem
minha elegia ser
mais vaidade
do que homenagem

(Hilda Hilst, Balada do Festival)

Mil nomes te darei,
ousando cantá-los após a despedida
e tua a recusa em partir será
minha incorpórea redenção.

Reavivo a chama luzidia da vela
derretida com devaneio inférteis,
alimentada pela mórbida dúvida.
Se ousasse chamar teu nome
tua cabeça sequer se ergueria?
ou teus pés há muito descalços
reconhecem que meus lábios turvos
clamam apenas pela tua Fuga?

Se nisso que não há nome só há partidas,
sequer nomearei aqueles que não são,
buscando a ti no que nunca houve
ou se perdeu na ideação,
costurando o impronunciável
na promessa feita de nós. 

The Couriers

Sylvia Plath

The word of a snail on the plate of a leaf?
It is not mine. Do not accept it.

Acetic acid in a sealed tin?
Do not accept it. It is not genuine.

A ring of gold with the sun in it?
Lies. Lies and a grief.

Frost on a leaf, the immaculate
Cauldron, talking and crackling

All to itself on the top of each
Of nine black Alps.

A disturbance in mirrors,
The sea shattering its grey one -

Love, love, my season.

terça-feira, 13 de outubro de 2015

do carilho

O nó
de nós
duro
oculto
amargo

como noz.
é preciso estar atento e forte
não temos tempo de temer a morte


meu amigo imaginário depois da primeira infância
mudou seu nome para Medo da Morte
e veio abrir meus olhos para o inestimável;
o passado depois da invenção dos choques terapêuticos
está mais vivo que o presente, esse pobre coitado.
e me contou que ele passou os últimos cinco meses
- isso sem que eu me desse conta dos sinais -
numa cama de hospital imobilizado por sedativos.
Medo me alertou para a necessidade de libertá-lo
e no Hoje engendraríamos um plano:
pois é preciso proteger o presente do passado,
ele disse, antes que ele o encontre paralisado,
ele insiste, antes que ele o condense em promessas,
antes de devorá-lo por inteiro.
Tentei pensar em alguma estratégia para invadir o sanatório,
enquanto olhava nervosamente para o relógio.
Mas porque o futuro está sempre atrasado?

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Sem-nome e partidas

Há a realidade e há o medo. A realidade do medo da folha de papel em branco me encarando. O medo da realidade que pode ser revelada por ela. A realidade dos escritos sem destinatário que ecoam medos em sua superfície. O que é escrito é como a fotografia revelada. E se o filme tivesse sido queimado, mofado, esquecido no fundo da sua gaveta de meias encardidas? Quisera poder esquecê-lo; tudo que é ideado e prometido. Mas a mente insiste em firmar suas armadilhas. O que eu sinto é real, mas o que escrevo é cópia dos grandes mestres. O sem-nome abarca o eu, o tu, o ele. O sem-nome é tudo. O eu... que palavra-conceito desprezível. Que prisão. Quando sou eu, sou densa. Quando tento olhar além de mim, me desmorono. “A língua transforma o caos em cosmos”... que falácia de linguista. Nem quando ouso me expressar é expelida a verdade. Mas há o medo da verdade. Ou o medo de que a verdade seja inescrutável? A escuta não é contraparte necessária da fala e falamos sozinhos indefinidamente. Havia olhos no escuro, ou pelo menos foi o que sonhei. Houve o conforto ilusório da palavra. Palavra que é pássaro e admiramos noite adentro. O pássaro também não tem nome. Ele tem asas e não as utiliza. Suas plumas brancas estão sujas de terra nas pontas. Mas ele goza de aparente liberdade. Liberdade – medo irreal. Palavra-pássaro. Promessa-prisão. Ele tem nome, mas você o esqueceu. 

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Emily Dickinson (1830–86).  Complete Poems.  1924.


Part One: Life

LII
VICTORY comes late,
And is held low to freezing lips
Too rapt with frost
To take it.
How sweet it would have tasted,
Just a drop!
Was God so economical?
His table’s spread too high for us
Unless we dine on tip-toe.
Crumbs fit such little mouths,
Cherries suit robins;
The eagle’s golden breakfast
Strangles them.
God keeps his oath to sparrows,
Who of little love
Know how to starve!

LXXVIII

TO learn the transport by the pain,
As blind men learn the sun;
To die of thirst, suspecting
That brooks in meadows run;
  
To stay the homesick, homesick feet
Upon a foreign shore
Haunted by native lands, the while,
And blue, beloved air—
  
This is the sovereign anguish,
This, the signal woe!
These are the patient laureates
Whose voices, trained below,
  
Ascend in ceaseless carol,
Inaudible, indeed,
To us, the duller scholars
Of the mysterious bard!

terça-feira, 1 de setembro de 2015

Corpo de madeira
frágil forma esculpida
pelas mãos insuspeitas
do artesão.

Assim, ele me toma para si.


A mudez é surda onde
sequer ousam ressonar
as juntas amedrontadas
sobre seus joelhos rijos.
O coração sói estar vivo,
onde a libertação última
é o suicídio.

O corpo de macho
do ardiloso ventríloquo
ordena-me e eu sorrio
senta-te e te sirvo
deita-te e te aprazo
silencia-me.

Corpo de fêmea,
território a ser clamado,
cerceado, devastado,
erodido, abandonado.
Louca! Estúpida!
É a mulher que foge
e vive sem mordaça.

Há que preferir a resignação:
sentar em seu colo,
estar de joelhos,
mas nunca a seu lado.
Mulher quando convém:
boneca infalível de corpo alienado.

terça-feira, 11 de agosto de 2015

pólvora
é resíduo
como os vestígios
que você plantou
eu não reguei
nem tinha água
ou fósforo
mas todas elas
minhas obsessões
são altamente
inflamáveis
apesar da
pulverização
dedetização
descarrego
extrema unção

você
é coceira
é goteira
é poeira
microscópica
que tem rastro
nome e registro
ardil resquício
sempre implícito.

eu
pequena farejadora
escavo mistérios
cultivo pretéritos
adoro ao avesso


quinta-feira, 6 de agosto de 2015

hoje eu acordei modernista

À pegada
Na fuga-cidade
Do temor
À mortalha
Amor tolhe
& rasga
& fere
& traga
mais um copo
intrincado
cheio gelado
frio resquício
de restos
de comida
re-partida
manchando
foto borrão
fio de cabelo
sexo virtual
ejaculação
um tanto quanto
tardia.

Às lágrimas
de pressa
almamarga
da essência
em represas
antes fosse
im pressa
na página
do livro
em préstimo
des-culpa
s/ gotas
s/ suor
c/ gozo
c/ gosto

Amavisse
um cadafalso
de cem-nomes
só para tolos
sem-máscara
muros p/ redes
mortos revivos
náufragos no
fim de tarde
argonautas no
alvorecer.

eu sozinha
eu exausta
pandora epiléptica
debatendo-se
na antessala
da decepção
afogando-se
na impiedosa
Styx
submirjo
subestimo
e subscrevo.

-

..ter um dia amado (amavisse) 
Vladimir Jankelevitch

domingo, 2 de agosto de 2015

O nome do pássaro é ave-palavra

Nascemos do gozo e para o gozo
Mas também da dor - feminina!
Da pessoa é expelida a palavra
Da palavra a promessa
pueril antessala da decepção
Após a morte de nós,
a putrefação.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

siamesa amputada

09/12

Não devo rebuscar. Primeiramente, pois já estou madrugada adentro, mas além disso porque sou simples. Simplória, comum. Não tenho a capacidade de contornar os meandros, enlear rodeios, florear minhas confissões. Depois, porque sei bem o que quero dizer. Quando não sei - ou quando não quero admiti-lo - é que tento camuflar-me pelo uso excessivo de palavras, ou, mais comumente, por silêncios graves e observantes.
Estamos em dissonância. Continuamente alternando posições, nesse jogo que ocasiona tão somente a dor, nenhum prazer. Você diz que salvei sua vida, mas eu não quero o peso dessa responsabilidade a carregar. Você diz com o que se identifica, eu rebato, muda mortificada. Foste a criança deixada num cesto à minha porta. Não há como negar-te, pois sei que te alimento. Mas sabes tu que, por tua vez, me retroalimentas?
Contornas os meandros, vês razão-de-ser em meus defeitos. Sou séria, sou chata, sou ríspida. Mas sou eu e, por algum motivo que tu decifras em suas lentes estreitas, isso é de valor inestimável. Porque eu impus limites, fui intransigente, there's a gap in between where I end and you begin.

sábado, 11 de julho de 2015

beautiful angel
pulled apart at birth
limbless and helpless
I can't even recognize you

(thom yorke)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O sentimento – paralisado pelo medo?
A minha recusa de fé
Há o medo do escuro e há a realidade
dos monstros no armário nas noites solitárias.
Se a língua transforma o caos em cosmos,
o que é isso?
Tua língua em mim, lasciva,
tua imagem transfusa à minha,
teus demônios cegando minha rotina.
silêncio – paz aparente?
pretensão da calmaria ignorante
de tudo o que permanece condensado
nessa distância entre nós – um palmo
em erupção, perigoso aperto velado
amizade? embriaguez subcutânea

olha, aí vem seu namorado.

domingo, 5 de julho de 2015

Para o café-da-manhã vespertina
Ovos fritos e cérebro
Café ralo de filtro reaproveitado
Já não sei mais qual a minha opinião
Balbucio meias-verdades e acuso
seus tiques inconscientes
enquanto minhas pernas se sacodem
impacientes, passado o prazo final.
Mastigo com dificuldade e sem apetite,
o que tem gosto de mágoa,
granulados de estilhaço de vida.
Você me pergunta: porque está tudo
fragmentado e o que isso tem a ver
com o estatuto da História como ciência?
Sigo vivendo e não conseguindo
e você espera que eu aplauda
essa sua falsa rebeldia?
Um dia todas as suas mentiras
vão te asfixiar e te deixar
jogado na sarjeta completamente nu,
não de roupas mas escalpelado.
É o rito de passagem que faltou.
Eu sigo. Sou uma farsa e sei,
mas vocês todos acreditam.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

dos discos arranhados

Eu não te perdoei. Eu nunca vou te perdoar e você sabe disso melhor do que eu, não é? Você sente meu olhar vazio quando eu te vejo. Você não vê espaço para me preencher de novo de amor. Amor que já transbordou por você. Você, perfeição, paciência, lar. Eu quis tanto redescobrir isso em nós. Só consegui sorrir de novo na sua presença quando percebi que era uma ideia vã. Eu fingi que te perdoei só para ser melhor que você, dando continuidade ao nosso infindável ciclo de decepções. Ao nosso jogo de intenções veladas. Tento compreender o que nos atrai de maneira tão irrefutável. Se me tornas pior ou melhor, se é esse o efeito que causo em ti – se é que somos simétricas. Se é que desferi golpes tão cruéis e sutis em ti, e foste contra-ataque. Desço de meu terreno elevado de moral e ajoelho-me perante a ti. Sou uma farsa. Se o faço é porque ainda quero te derrotar, sendo melhor do que foste comigo. Ou quero me destruir? Mas sou grata. Você me ensinou, melhor do que ninguém, que o caminho que devo trilhar é solitário. Que a compreensão é meramente momentânea, fica na beira da estrada, separa-se de nós nas bifurcações, nas curvas dos rios, nos penhascos vertiginosos. Fica nos abraços que partimos, no banco do passageiro da carona que pegamos. Quero elevar-me apenas para ser maior que você. Que tipo de elevação poderia vir de projeto tão vaidoso? Mas me ensina uma vez mais a saborear de tudo aquilo que é amargo, tudo aquilo que não flui naturalmente pela minha garganta. Você me faz insistir. Minha redenção encontra-se justamente na promessa de que serei um dia capaz de perdoar. Libertar-me no perdão. De todas as expectativas que fui capaz de depositar em você, sem que me atentasse ao que em ti desconheço. Tudo o que você recusou a partilhar. Me força a te respeitar. A te admirar dessa distância imposta entre nós – que um dia cri inexistente. A sentir o solo instável quando me coloco acima de ti, de outrem. Eu não preciso te perdoar. Eu preciso esquecer tudo aquilo que eu já pensei que era meu e teu. Quem eu achava que era você. Não há como estancar a ferida, pois que teria que me iludir novamente. Amplio-a para abarcar todas as decepções que eu sei que você ainda é capaz de cometer. Não por maldade, nunca por maldade. Talvez por ser você, assim, tão diferente de mim. Por participar do jogo que inventamos. Por estar presa na mesma teia que eu – por dividir protagonismo que eu queria só para mim. Eu não consigo me perdoar, por essa autoimagem casta, limpa, incorruptível que inevitavelmente faço de mim. Usávamos espelhos quebrados, você sabe disso? Talvez você até fosse reflexo de um dos meus eus dilacerados. Que não foram capazes de te enxergar, para além de mim.
Reviro-me toda perante a ti e vejo que não há a necessidade de perdoar. Há indícios irrefutáveis... o que nos liga... talvez só você seja capaz de me compreender.

(É recíproco, não é?)  

terça-feira, 23 de junho de 2015

verborragia interna é o timbre do capeta, ele disse

eu gosto de me machucar. abrir a tampa do fosso e mergulhar a cabeça, ficar até vomitar no vômito. me disseram que da lama que vem o lótus. do meu sangue talvez verta-se a resposta. se é o que busco. se me satisfaço com o que encontro. mastigo leniente as pétalas dessa dor. ferida canibal alimentando-se de casca. sorvendo pus como se seiva. onde estão as ataduras que você colocou? calma mãe, amanhã eu ligo pro médico. essa fraqueza não é só anemia, é claustrofobia, é paralisia cerebral, é masturbação excessiva. mãos atadas, faça-me parar. lobotomia? sim. o tratamento está à discrição do paciente. claro, depende do seu livre arbítrio. mas eu gosto de me machucar. tenho sede de lágrima, fome de chaga. pandora epiléptica na antessala da decepção. eu gosto de ver a vida esvaindo-se de mim, pra pedir por uma nova chance. jogar tudo fora porque é melhor pensar que o que tenho não é muito. dá pra conseguir tudo de novo, novo. muitos lados de muitos mundos. não é preciso correr para errar. não preciso que me protejam dos lobos. vicio-me nas cinzas daquela decepção. se quiseres, desfira quantos golpes desejar. penetra-me fundo e permanece, parasita vil. miro o precipício, incólume. a fatalidade não seduz a quem gosta de se machucar. o avesso da dor também dói e é prazer. é bom que não haja limites. há fluidez mecânica. em um sólido as tensões derivam de deformações elásticas sofridas sob ação de forças externas. sinto as criaturas que farejam o ar ao meu redor soprando seu bafo quente em meus eus passados transmutados. em um fluído, as tensões derivam do fluxo resultante da aplicação dessas forças externas. sinto quem disse achou pensou que amou transbordando lágrimas sobre meus destroços. a propriedade que um fluído tem de apresentar resistência às tensões cisalhantes é chamada viscosidade. se ao menos amassem e se ao menos soubessem como me despedaço sem hesitação. por isso diz-se que os sólidos são materiais elásticos e os fluídos materiais viscosos. quebro tanto que não quebro mais, acho. por isso gosto de me machucar, deixar o sangue quente acariciar-se pela língua lupina, o membro inerte gangrenar, o sentimento puro sujar-se e, enfim, putrefação fétida amputada. viscolástica. quanto mais sujo for esse poço mais leve, clara, lúcida será a flor,

por favor


pois tenho essa chaga comendo a razão


armas em riste,
porte de armadura
hipnose aromática,
nessa vertigem

eu me atiro
e não se finda
qual fígado que pro métis
perpetuamente dilacerado
na mira do olhar fumegante
do Outro-corvo

lava, pó, Nada - mecânica do descontínuo
indefinidamente escuta lasciva
das vozes aveludadas
vermelhas
tartáreas
preci
pita
m


ah, voluptuosa queda
na Garganta flamejante
de ambrosia,
catarro,
fel. 


eu gosto de me machucar.



delirium tremens

schildern Sie Ihre Traurigkeiten und Wünsche
die vorübergehenden Gedanken 
und den Glauben an irgendeine Schönheit

(Rainer Maria Rilke)

loucura esperança loucura esperança loucura es
tu
pi
dez
pinga
dos anseios que transpiro.

tépido
estado de espírito
interrompido.

-fé em qualquer beleza,
disse o poeta dos anjos
terríveis.

abra os ouvidos
prum universo mudo,
silenciado demônio incorpóreo
puerperal
posterior à tempestade

que são essas vozes
abafando o claustro
loucura-esperança
em
bria
guez

-quais queres?,
indago ao poeta
fumaça de meu cigarro,
servindo-nos licor de anis.
balbuciando sua própria saliva,
deixa-me e diz:
cessa de ressentir o querer.

só sobejo suplício
escaldante glaciação
floral pútrida.

A grande Beleza
transpassa a puerilidade estetizante,
de lava, pó, Nada.
Nunca mais?

isso que dá ouvir conselho de poeta

-fé no desapego,
concluimos sôfregos
ainda
aferrados ao gozo.

terça-feira, 16 de junho de 2015

aloof
alone
a stone
is a calcified tear
of the universe.

terrain
smoked
in vain
over-ly-terrif-ied-Yin
mysterious Tehran
[foreign world within].

ask not for a woman
but for an angel
made of light-ness
which a woman transcends
not into. [for she s-carries
so much – so many – stones]

we shall not meet
but hopelessly seek
not one. An Other.

otherness!
is it your voice
in this unfathomable
inescapable grey room?
[how could the self be the
one
to kill loneliness?]

plenitude
a meeting with God?
or the endless River
s-tumbling, falling starfishes
flowing inspite of
what is petrified.

wavelength suffering
which once was the same:
river-seeks-ocean-through-gravity
salt and earth water weights
as poet meets death.
despite the strict social restraint on women in classical Antiquity,
they had very powerful goddesses
Athena:
the ability to resist marriage and motherhood.

i take it our strength only reveals itself when we negate other women
to join men in their endeavours?
who told you so?

segunda-feira, 15 de junho de 2015

estacionário


(dante rossetti - perséfone)


I

o que floresce em meio ao caos,
se os lobos mastigam o que é cerrado,
os escorpiões continuam afogando
os sapos? E o mundo permanece
si len ci a do.
fragmentos daquele último abraço,
partem-se da hermética caixa torácica.
farfalhaste de olhos pedido de socorro,
eu sei.
minha fé ficou na infância e
a confiança, reside somente na (tua)
natureza.

a you and a me and chaos theory,
lost at the abyssal liquidity,
of circles within cycles within seasons,
shall we find the loophole?
s’il fallait le paradis
même si on lui a perdu
escafandristas, milênios, milênios de
                                                      [verão
quand nous étions sous des couleures
qui nous ont teint avec découverte.
but I might paint it black
before you paint me blue
only because I do not seek Lilac Wine,
ácido, denso, unsteady like


II

Seu gozo às alturas,
meu gozo em ti
e na mais suave tessitura,
que abafou os tambores da traição
- interrompido -
eu (es)colhia flores e alcunha de Perséfone,
tuas vísceras devorei-as todas cruas,
com teus medos untei minhas feridas,
se és Adônis ou Dionísio.

III

– contingência – ipseidade – contiguidade
na concretude desértica
baseada em planalto estéril
onde não se faz história sem métrica.
Chronos e Atlas torturados não só pelo raio,
acometidos com tétano infecto,
da labareda sifilítica
de que que eu tô falando?
 Acho que você olha pra mim, mas não enxerga.
É o Nada?
Ou é a ti mesmo que buscas nesse abismo?
me disseram que coragem grande é poder dizer sim
não me afugento,
mas não sou algoz.
O que me resta, me cabe, te toca?

IV

minha mãe me disse: filha, cuidado com os homens,
meu pai me disse: filha, cuidado com o mundo,
meu irmão perguntou: você ainda tem medo do escuro?
eu que não sei, acho que temo a tudo,
tanto que me jogo epilepticamente lado-a-lado
à côté des mes sentiments, couvertes par inertie
 fumo no pulmão e vinho afogando meu coração.
pé em que estrada, senão a dos caminhos que bifurcam?
pensaram que estar sempre alerta fosse cessar sofrer,
mas não sabem que me doo desde o parto.
para quê cuidar com homens? que amam
sem amar, sem-paixão
cegam ao não enxergar,
– je voudrais ne jamais t’avoir connu, Baudelaire.
antes eu não era insone,
antes eu acreditava.
mentira!
eu disse a eles: nada, pois sou a que sempre se cala.
e se transfigura em sombra taciturna,
para cultuar qualquer luz que se distancie,
qualquer reflexo translúcido que prometa
me flutuar para longe do coração humano;

e além do ponto, a porta que nunca se abre.

(V
se primavera,
outono espera?)

quinta-feira, 11 de junho de 2015

It took me a while to realize how you were always trying to force me to smile, and would never understand when I made faces. You wore a mask and it seems you expected me to do it too. It was your way of trying to make me be someone else fit for you. I am irony and tears and burps - and sometimes also smiles, mostly eye-smiles. And you didn't see through the surface.

Could you just smile for the picture, for christ's sake?

Oh dear, christ's so long gone... and that wasn't the springtime of my loving. Winter's colors don't suit me.

quarta-feira, 10 de junho de 2015

jovic

Ele balançava a perna impacientemente, enquanto ela remexia sua mochila.
-Esqueceu o meu isqueiro de novo?
Ela lançou-lhe um olhar perfurante.
-Meu isqueiro – retrucou com um resmungo e continuou a vasculhar sua mochila. – O problema não é esse.
Parecia extremamente agoniada. Ele colocou a mão no ombro dela e deu algumas palmadinhas. Tudo aquilo seria necessidade de fumar um cigarro?
-Tudo bem, bom que a gente não fuma – ele disse, com um tom um pouco decepcionado.
Ela bufou.
-O problema – continuou, ignorando o consolo do amigo – é que quando eu tenho o cigarro, falta o isqueiro. Hoje trouxe dois isqueiros – abriu o punho e mostrou-lhe um isqueiro azul e outro branco, seu semblante irritado.
O enunciado parecia uma profunda questão existencial. Ele entendeu. De que servia, afinal, esse excesso de isqueiros se não havia sequer um cigarro para que pudessem partilhar?
-Sabe, acho que eu venho travestindo desejo carnal com carência emocional. – ele disse – Afinal, não acho que preciso de amor. Queria mesmo era trepar.
Ela riu, não acreditando em sequer uma palavra do que ele havia dito. Mas deixou pra lá, não quis contestá-lo, achava cruel arrancar alguém do conforto de uma negação para uma realidade de privação.
-Eu acho que tava tudo bem pra mim, sabe. – ela respondeu – Acho que eu nem desejo mais nada de ninguém não. O que eu quero é a cessação do desejo e tal, tô investindo nessa coisa budista.
A reação dele foi instantânea: bufou sonoramente e em seguida gargalhou.
-Sei!
Troca de olhares incrédulos. Nenhum deles acreditava no que o outro havia dito. Apesar disso, ambos se conheciam. Não eram mentiras – aquilo era a compreensão. Ao menos por um momento.
-Como eu precisava desse cigarro – ela lamentou.
-Você não precisa desse cigarro, Buda – caçoou ele.
Ela fechou os olhos e respirou fundo.
-Cara, a gente precisa estudar.


quinta-feira, 28 de maio de 2015

Do escuro intermitente

Atiro-me inconsequentemente em teus braços.
(não por acaso um precipício)
O que mais pode-se querer?
Paz mundial, reconhecimento
um milhão de (coisas) reais
da árvore que ejetou (esses frutos)
essa flor (do mal) querer, e o despertar
(tanto mar) que me tem (acompanhado,
atado, embaraçado) e por fim,
desfaz-me de mim mesma
solitária sombra silente na
incorpórea presença de quem mente.
E quem foge (em meio ao matagal
à meia-luz) sem lentes,
se imiscuindo em meus nascentes.
Falésia!
Falácia
do falo impróprio
despencando
(ipsis litteris)
em meu abismo siléptico,
abrupta hipótese mimética.
Qual geleira impera?
(meu verso, teus olhos, o toque!)
És terra, mar, sal e água
permanente erosão (ação irreversiva)
não (me) esca(r)pas!
E o trato digestório (caminho que percorres)
que rumina tua saliva é
preenchido por insetos e lascívia.

quarta-feira, 27 de maio de 2015

prevenção

o pranto desata na antessala,
cortando ouvidos indiferentes
de figuras cinzas em meio
à espera contida em
cadeiras cor de mofo
- fica quieta, menina -
eu sempre sofri,
mas agora é de se esconder o choro.

Já passou o tempo de tomar a vacina.

Atiro indecentemente distopias silenciosas
num lugar onde
Hipopótamos perdidos voam.

sábado, 23 de maio de 2015

orgânico

Sobre aquilo que não significa e não me assola.
Nada e Nunca Mais,
monstros de dentro do armário que agora saem para brincar.
A minha capacidade infinita de sentir afeto,
a minha espera contida e desesperançada,
minha leveza inexprimível.
Terei de inventar um novo vocabulário,
ou deixar de ressentir as palavras que já conheço.
Como fazer justiça a todos os amores inesgotáveis
que sorvi com lascívia e regurgitei com escárnio?
A celebração da minha partida é minha maior força,
pois que não posso estar enganada.
Mitologias, erudição, Sul.
A palavra não é o amor.
Não pode ser pois já estive errada;
é preciso estar livre, é preciso poder partir.
É preciso medir algum tempo que não seja teu.
Que venham os calendários e a passagem dos dias:
o tempo estático independente do referencial.
Chá de canela, ensaios, tipologias,
o ruído suave da clepsidra – sed de ubicuidad,
sucedidos pela relatividade e o entrelaçamento quântico.
[E todas as frases que eu roubei de Hilst e Borges e Cortázar]
Pata de coelho, búzios, chá de arruda;
que se cure a racionalidade imposta e as racionalizações.
A sede de ser outra saciada pela plenitude do Eu.
A vontade de ser água, sendo terra
amável, embora feita de pedra.
Orunmila sussurrou seu nome em meu ouvido!
E me contou da existência de outros Orixás.
Contiguidade – ipseidade,
espaldas, omoplata, olho – reflexos.
Concerto 2 opus 18,
capacidade humana de dizer e fazer coisas belas.
Bússola, métrica, pêndulo
conjugados na inevitabilidade do caos.
Ah, tá!
O que eu entendi:

você é meu talismã.

quarta-feira, 20 de maio de 2015

Publique ou pereça

Será que o mundo já tem mais estacionamentos do que mar?
Meu melhor amigo não é Sartre
[Mas Simone]
Ah, como eu odeio abelhas.

domingo, 17 de maio de 2015

Das XVI. Sonett

Du, mein Freund, bist einsam, weil….
Wir machen mit Worten und Fingerzeigen
uns allmählich die Welt zu eigen,
vielleicht ihren schwächsten, gefährlichsten Teil.
Wer zeigt mit Fingern auf einen Geruch? –
Doch von den Kräften, die uns bedrohten,
fühlst du viele… Du kennst die Toten,
und du erschrickst vor dem Zauberspruch.
Sieh, nun heißt es zusammen ertragen
Stückwerk und Teile, als sei es das Ganze.
Dir helfen, wird schwer sein. Vor allem: pflanze
mich nicht in dein Herz. Ich wüchse zu schnell.
Doch meines Herrn Hand will ich führen und sagen:
Hier. Das ist Esau in seinem Fell.

Rainer Maria Rilke, zwischen dem 2. und 5.2.1922, Chateau de Muzot

quarta-feira, 13 de maio de 2015

ποίησις

Meus amigos me chamaram para dançar.
Que convite absurdo!
Mal sabem que me desfaço no descompasso dos semi-abraços,
me retorcendo no cadafalso,
abjeto, inconfesso, ilusório,
que são as palavras que se propagam cortando o vento,
úmido, abafado, desritmado.
Minhas palavras que não valem nada,
sem seu valor simbólico, teórico, metafórico.
Não mudam realidades, não habitam tuas noites de insônia.

Minhas amigas me dizem para resistir.
Que infâmia!
Insistir nesse mundo de absurdos,
perjúrios abjetos lamentos.
-Moça, não quero interromper, mas me dá um trocado?
Palavras não mudam realidades,
perpetuam o purgatório, pusilânime
estado de espírito civil. Antissocial, com ideais anárquicos
hipócritas, hipocondríacos, ingênuos.
-Moça, eu tenho AIDS.
A poesia é a mais covarde fuga.
com métrica aristocrática, incompreensão socrática,
pretensão pluripatética.
Principalmente quando fala do escarro,
do esterco, dos porcos, dos corvos e dos medos.
-Moça, tá faltando o leite pras crianças.
EU sou o deus hermético,
você é súplica obtusa.

Resistência infame, herética, produzindo a bile fétida,
que escorre no meu bule de porcelana e chá de lótus.
Basta de palavras!
Esta é a noite para cingir todos os desencontros,
toda rima, métrica, poiesis
ao compasso de minha dança cadavérica.

terça-feira, 12 de maio de 2015

Só.
Tentei escrever o dia todo e a única palavra que me ocorre é que estou só. Povoo os inúmeros espaços vazios dessa cidade com todos aqueles que me deixaram – ou que eu deixei, nunca se sabe. Sou um fantasma de mim mesma. Me comprimo num balanço quebrado e seu rangido ressona em meus pulmões preenchidos por ar frio.
“Parquinho infantil, proibida a entrada de adultos”, diz a placa.
Tento me encolher pra dentro de mim, pequenina. Eu, que antes não me cabia, agora nem sequer me preencho. Vejo os últimos raios de luz cederem espaço para a noite.
E só. Nada me comove, indiferente (embora dolorido) é meu estômago frente ao pedaço de pão. Os desconhecidos que me encaram não me enojam tampouco me apavoram. Não procuro uma resposta – minhas perguntas cessaram.
Os ínfimos feixes alaranjados tingem o céu azul de violeta.
Me lembro de você.
Habituada à minha solidão como a única certeza, exaspero-me frente à essa nova expectativa. Vislumbro as esferas as quais você mencionou. Criadas por mim. Pelo meu silêncio. Tenho ânsia de capturar esse tom violeta em ti. Olho ao longe mais uma vez e ele já se dissolveu no azul. Lá se foi nosso éden da compreensão. Mas lá ainda repousam suas mãos nas minhas. Meus dedos pálidos em seus cabelos pretos. Seus dedos longos convulsivos, esquizofrenicamente manuseando mundos. Tecendo tramas que não me dizem respeito. Envoltos por anéis incógnitos para mim, que desvelam o nó em meio ao meu nós ideado. Esferas invisíveis de medo.
Recolho meus objetos e sentimentos e sigo só. O frio outonal transportado pelo vento úmido faz com que se recolham também as pessoas que passearam ao meu redor.
Quer dizer então que eu sou a primavera?

Coup de foudre ou de grâce ?

Je bois tes larmes chauds

Je rêve que je t’embrasse

Et alors quand t’es là,

Je ne porte que des masques.

En regardant tes doigts longs,

il n’y a quoi dire,

il n’y a rien a faire,

il y a seulement mes yeux fatigués,

et tes beaux doigts:

ils manient le monde.

Devant cette force inéluctable

mon âme se dissoudre,

et mon coeur irrésolu demande :

Sois miséricordieu !

segunda-feira, 20 de abril de 2015

Sobre pássaros e outras espécies selvagens

I had this great dream about you. I went to sleep thinking about us and about how it felt to have your body enveloping mine. About how scared I was when we first started having sex because it seemed that what drove you was anger. So that I had to show you how to make love. Don’t get me wrong, I love fucking. In the most stupid, meaningless ways and places. But that is what children do, when they’re playing and discovering a new world. Love is growing up, is trying indefinetly to master an art.

In the dream, we were at the supermarket being stupid, laughing about nothing at all. We bought cider and condoms and we forgot we also needed to buy something to eat. Because it felt like we already had everything. Was that my mistake ? Did I act as if I weren’t already whole before you ? You didn’t complete me, because no one does. Maybe my broken soul, my laziness and always being late are all I am sure of, and it all completes me. And if we were always laughing together, why did you try to control my smiles ? Why did you think they belonged to you ? Why did you start telling me what I could and couldn’t do ? Did I let you become « the jealous boyfriend » ? When did you become my enemy ?

It was so weird this dream. But only because of how real it seemed. It reminded we were once, twice, thrice, happy. And so much so that it made me forgive you. But it also reminded me that when I left, we weren't happy anymore. We were driving across the country, fighting the wilderness, just like you'd said you wanted to do with me. I know you felt safe. I know you felt like you belonged for the first time in your life. I know the only reason why you seem overly confident is because you feel like you always have to be the best, to be prepared to fight people and show them you can defeat them if necessary. I am sorry you we brought up like that, and I am sorry you ended up feeling threatened by me. I understand you. I know I broke your heart. But weren't you already screwed up when we met ? Is it all my fault or would it be easier for you if it were?

A crazy bird suddenly invaded our car. You were driving and until then the wilderness was just a concept for you, so that you didn’t know what to do. I started panicking and laughing at the same time, so absurd it was that dream. I didn't know in which country we were, but the bird was an arara, and I grew up surrounded by those in my hometown. They have sharp beaks but they are the most docile creatures on earth. If you let them. And also if you feed them papayas. I opened all the windows in order to let it go, but it didn’t seem that it wanted to leave. She got scared. She hesitated for a moment and looked me in the eyes. You started to get angry with me. « Take care of it already, I’m driving here ». I didn’t recognize your tone. I gave her my arm and she took it. I showed her out nicely and she went away quietly. « Remember you can always fly away », it seemed what she was telling me. I looked at you with a nervous smile. You were silent. I wanted to laugh, and I wanted for us to laugh together. I touched the back of your head, timidly. You didn’t say a word. We drove for what it seemed like hours and I had to control my tears so I wouldn’t start crying, pissing you off even more.

My wings still knew how to fly. I have stood still for a while longer cause I was afraid to leave you. I was afraid that you would never feel safe again. “I love you so much”, I said, and it felt like you didn’t believe I meant it. « But it doesn’t mean I have to accept this cage you’ve put me in ». I didn’t know how to tell you. I didn’t want to break you. All I've always wanted to do was to mend you. But people are broken by people every day, and they have to understand that not always it is because mankind is evil. I am not an evil bitch, I am a gracious bird. I thought you saw it and I thought you understood. I knew I had to fly away in order to feel whole again. You didn’t complete me, you diminished me. You wanted to shrink me so that I could fit you, so I would be a bandage to your open wounds. So that I would be your little woman, so that I would be your trophy.

I’m thankful I had that dream last night. We've never seen an arara together and we've never actually driven into the wilderness. You were too scared to love me and, still, I loved you with all my heart. But you don’t know it yet. I want you to be happy and to get to know other girls, but I am also afraid for you. Afraid that you still don’t know how to undress your soul, because I know you can undress beautifully. I know you can fuck quite skillfully, I know you can even make breakfast. You can say “good morning” with a sweet boyish smile, and in dozens of different languages. I know I gave all I could and it almost emptied me. I’m finally whole again, but I know you aren’t. I’m afraid of your anger, even though you are so far away from me now. I was never afraid you’d hit me or hurt me physically. But I am afraid for those other girls, because you didn’t know how to make love. You looked like a psycopath fucking and it was really creepy at first. But I knew it was because no one ever called you from home - and that when I eventually felt like home you were able to be sweet when we were having sex. I hope you will stop blaming me someday and learn how to be with someone. I don't mean to be condescending and act like I already know it all, it's just that I’ve definitely learned a lot from you. I've blossomed. I’ve learned how to molt, and I’ve learned that it is not wrong to do it. I’ve learned one can always fly away if someone is trying to cut off their wings. Because our wings are the most important thing we have - it is not being loved by someone else.

Have a good night sleep and know that. Even though we miss being with someone, we don’t miss being with each other. I was a bird and you were a shark.

sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tudo que sabia fazer era citar, citar, citar. Não podia mais sentir, sentir, sentir. Conseguira até hoje muito bem sentir sem compreender – mas o tanto de estrago que já havia causado por causa disso! Se bem que o problema não fora sentir sem compreender (as pessoas pareciam incapazes de compreender o que nunca haviam sentido), não conseguira sentir sem exasperar, sensibilizar-se na ponta dos dedos. Conseguia seguir sem entender. Vive-se ainda que não se entenda, e quem foi o infeliz que primeiro afirmou que ter sensibilidade não é a mesma coisa que ter razão? Mas sentimento todos têm, sensibilidade nem não! Metodologia: tentativa e erro. Two wrongs don’t make a right, but maybe three, maybe four, maybe five... Te escrevo mais uma vez para aplacar minha inquietude, te escrevo agora que não mais me queres e sou livre! Livre para te idear como bem queira, agora que não posso mais conhece-lo. Mas você é compreensivo, você sente, você compreende, você tenta... e você acerta. Agora que não quer mais tentar. Tento desenhar teu rosto em minha mente com os poucos resquícios que deixou, teus hábitos de antigamente que adotei para mim, teu cigarro de palha, tua espera solitária. Você me recusa gentilmente – recusa doce, sutil, suave. Me é possível esboçar teu sorriso complacente, teu sorriso de quem não pode mais, de quem não quer... de quem solamente entende.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Esbocei chamar teu nome. Não soube qual alfabeto utilizar. Desenhei o contorno do teu rosto com as cinzas de um cigarro. Possuía uma estranha serenidade. Reconhecimento inexprimível – a sensação familiar que tive rememorando ver-te pela primeira vez. Enchem-se de água minhas retinas, marulhas minh’alma e ainda assim minhas pupilas seguem ressecadas. Ouço alguém que passa na rua a assobiar uma velha canção, uma canção que poderia ser a mesma usada por meu pai usava para me ninar. Abro a boca mais uma vez. É que o nome está na ponta da língua, mas não pode ser exprimido. É aquilo que foi dito inconscientemente quando eu estava de carona em sua bicicleta – mas não me lembro se era verão ou inverno. Você fazia um esforço tremendo e eu só te observava. Você olhava pra frente. Fizera menção de te beijar quando paramos no sinal e, quando você reparou, voltou a pedalar novamente.
Penso em quantas casas já tive ao redor do mundo e em como a nenhuma delas realmente pertenci. Você acende outro cigarro enquanto eu termino mais uma garrafa de cerveja. Solto um arroto involuntário e, antes que perceba, sorrio com naturalidade. Você me olha com ternura, parecendo se conter para não dizer novamente “sos muy linda”. Eu fecharia a cara instantaneamente e te repreenderia por seus cumplidos baratos.
-You drink like a russian boy. – você diz simplesmente, após um trago demorado em seu décimo cigarro.
-Por qué hablas conmigo en inglês?, yo demando.
Me confundo com aquele idioma. Que língua deveria falar? Olho para tuas íris furta-cor, não sei mais se és preto opaco ou límpido azul. Faço com meus dedos o contorno do teu rosto, a bituca do cigarro já apagada – triangular, redondo? –não obtenho forma alguma. Wo bist du? Was suchst du? Was willst du?
Eu quero te tocar, mas não sei quem é você, quando faço menção de te abraçar e você se afasta. O nome que devo chamar me escapa novamente. Não sei em que língua devo falar, não sei onde posso te encontrar. Meus amantes se mesclam em minha mente inquieta. Delirium tremens!, já não sei mais qual era aquele líquido que sorvia de tua boca entreaberta, essa fumaça que tragava de seus lábios pálidos. Quer dizer, eu quero te dizer, eu quero te dizer... Eu quero-te, sem ter que dizer mais nada, sem ter que me explicar. Há maneiras de tê-lo, sem saber quem é você?
Eu quero tocar o mundo. Eu não quero mais estar sozinha. É esse o preço a se pagar?
Só não vá se perder por aí...

sábado, 28 de março de 2015

Uma viagem

Parece que se eu não escrever eu vou implodir. É tanta coisa passada que não passou, que ainda pesa do mesmo jeito. Mas eu queria escrever alguma coisa bonita, queria fazer nascer flores desse chorume ao extrair poesia dos infortúnios... Se não for possível, qual o sentido? É tanta dor que eu não sei nem separar, sentir que também houve felicidade. Preciso ficar longe das pessoas. Preciso parar de lembrar como se nenhum tempo tivesse transcorrido... E quiçá a dinâmica histórica possa mover alguns moinhos. Possa enfraquecer esses eventos dissolvendo-os na longa duração. Será que se eu fosse mais velha doeria menos?

É uma noite daquelas. Tudo lateja, tudo pulsa. Dor fantasma se alastrando por todo o corpo das minhas relações amputadas. Lembro de tudo com limpidez escorregadia. Dói-me aquele baque inicial como se fosse o primeiro golpe, como se eu toda me doesse desde o parto. O rompimento primordial que se multiplica, que se intensifica. Tudo é cicatriz. Mas nem isso. É ferida que se recusa a repousar, pus latejante, sangue escuro que escorre sem cessar. Sou ferida que não fecha – e quando parece que fechou em definitivo, reabre. Até o sorriso forjo parece o mais verdadeiro, mas me machuca profundamente. Quando me recolho em minha solidão sei que sou uma farsa. Minha vida toda se encadeia em acontecimentos imediatos de causa e efeito, um emaranhado de malsucedidos. Organizo com cronologia, teleologia... arritmia. Minha memória é perfeita, inalterável. Como Funes? Funes!, sonhar é abstrair-se do mundo. Não posso mais almejar a coisas imperfeitas. Então nego o desejo. Abraço meus joelhos e urro enquanto sinto todo o resto do meu corpo ser arrancado de mim. Os anjos de olhos negros ondulando ao meu redor zombam de mim.

Volto-me para observar enquanto Joaquim dorme um sono que parece impenetrável. “Até que ele se junte a dança quebrada dos anjos macabros...” penso conformada. Contudo, ele descerra os olhos e me encara com um verde pântano vazio. Enveredo-me nele e desfaço-me no mesmo instante. Ele estaria inquisitivo se não estivesse tão exausto, e suas pálpebras cobrem seus olhos novamente. Encerra-se o breve momento de compreensão entre nós. Estou só novamente andando descalça pelo cimento, sentindo os infinitesimais grãos de poeira entre meus dedos. Danço sozinha, uma vez que os vultos se dissolveram. Estou mais calma. Respiro com leveza. Toco a ponta dos fios de cabelo dele com a ponta de meus dedos, num toque quase diáfano. Não quero incomodá-lo, e me pego observando seu sono imperturbável através das horas. Estar com um estranho em um lugar desconhecido – que horror – que alívio. Lembro-me do verso de Hilda: O incompossível se fazendo ordem. Não sei se sussurro ou se apenas penso nisso com veemência. Não sinto mais nada ao focar-me naquele ser incógnito e maravilhoso e, portanto, quase mítico. Penso em todas as maneiras que posso ficcionalizá-lo em mim. Não, não sou como Funes, eu diria àquele que outrora já fizera tal infeliz comparação. Seria minha dor inventada? E se fui eu quem a criei, posso desfazê-la num simples estalar de dedos? Não depende de mim. Depende da leveza do sono de Joaquim, da opacidade de suas orbes de musgo. Ele é meu arquétipo, meu receptáculo perfeito. Ao menos enquanto repousa inerte, quase completamente imóvel. Até quando se mexe bruscamente, fazendo ruídos sonoros e imperfeitos. Permaneço acordada pelo resto da noite a observar, quase em transe. Assim escapo dos sonhos ruins, encontrando repouso na exaustão.