sábado, 29 de dezembro de 2012

E se te escrevo um poema?
É sempre às pressas
Mudez e pensamento que se atropelam

E se te vejo?
É sempre de relance
Pela fresta de uma porta
Ao pé da ventania
Com uma resma e mãos nos bolsos
O que me dás é ninharia

E me encontro no escuro!
Ouvindo os ecos da galeria
São teus passos, te aproximas

Não sabes?
Te anunciam mas não chegas
Se viesses, a mim ganharia

E se não declaro algo incerto
É que fechastes as janelas da galeria
É um sufoco, escuto teus ecos
A dádiva, decomposta, se desfaz
Desmorona
Era mesmo regalia.

Fim

E se é o fim
Um início se desponta
O recomeço se anuncia

E se há um fim
Tu sempre me desapontas
Daí a renúncia

A morte é o fim
Todo o resto é ciclo
infindável
moroso
fechado.

segunda-feira, 17 de dezembro de 2012

Carta fechada

Quisera ser feliz com outra pessoa.
Por isso me apagara.
Nunca mais escrevi, nem ao menos uma carta. Um carteiro imaginário me acusava, figura típica simpática, bigoduda e sorridente, uniformizado em azul e cinza, com uma pasta de alça a um lado do corpo, com conselhos sagazes e multinterpretáveis.
-Nunca mais escreveu, moça. Que pena, você consegue falar tão bonito.
Não mais escrevo e não sei se é covardia ou coragem. Sei que é escolha, porque se quisesse vencer esse bloqueio eu seria capaz. Sei que é escolha, pois não submeto as sensações à análise alguma, que não ousem em mim se tornar substrato, que não se me finquem raízes! [Não analiso emoções, não reviso construções - verbais ou imaginárias].
Não sou refém dos meus sentimentos.
Se não escrevi a lápis, porque me apagas tão facilmente? Se escolhi um destinatário (e destino tão cruéis), porque me arrastar até o correio para aborrecer-me com frases esquecidas de epístolas esmorecidas?
Não, não escrevo porque não há o que contar. Não tenho palavras, nem tampouco vontade. Mas remanesço e persisto, porque agonizo de sofrer infindável. Até mesmo o não sofrer é sofrer. Significa que não posso trazê-los do fundo do poço imundo e obscuro da mente para conversarmos, meus queridos fantasmas. Sou ruído e abstração enquanto caminho obstinada com problemas burocráticos a resolver. Não mais enxergo maravilhas de novos mundos a serem descobertos, enquanto discuto possibilidades e medos com personagens recriados por minha mente, projeções de pessoas.
Pessoas são pessoas, e o que amei foram ideias. Pessoas mesquinhas enfadonhas medonhas - limitadas e controladas pela carne e pelo osso. Detestáveis. Amáveis são apenas as ideias, por mais que sempre se dispersem no ar, percorrendo o espectro de cores, permanentemente mutáveis. Chocam-se em ondas violentas, espuma contra rochedo. Água mole em pedra dura, até que eu ceda, até que me persuadam. A barreira é vencida e agora escrevo. Não mais diálogos imaginários, mas sim alguma viagem sem ponto de partida e sem destinação.
Num repente, escrevi.
-Mas não mais irei ao correio, moço. Pra que escrever cartas que nunca serão lidas? Não me venha com uma resposta inteligente agora, porque não tem resposta razoável passível de ser fornecida pela razão. Não nesse caso.
Nessa tua nova casa sei que nem chegam a entrar sequer minhas palavras, muito menos minhas cartas. Porque de ti não mais sei, como haveria de conhecer teu novo endereço? Vejo tua nova mulher regando as flores no jardim, cabelos longos e loiros reluzentes ao sol.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

Considerações atemporais

Um corpo que já ficou marcado por lábios e mãos carinhosas, mas nunca pertenceu a outrém, além de si-mesmo ser-em-si.
Estéril, estéril, estéril.
A solidão é o costume, mas a maior solidão chama-se incompreensão.
Como não rimar amor e dor?
É o medo de descobrir que importa menos que deveria, não há mais peso que complemente a gravidade. Flutua, fluindo leve pluma.
Importar menos do que se imaginava possível.
Exportar-se bem não durável.
Mira-se o abismo indefinidamente. Não há nada mais que buscar, nem há gradações de preto.