terça-feira, 15 de novembro de 2011

Criptico Indecifrável

Queria dar um mute nas suas palavras, despi-lo das aparências, desnudá-lo até que perante a si só restassem seus olhos nus. Poderia, então, aprofundar-se naquele olhar e compreender o que realmente estava acontecendo, sem a intervenção das palavras, dos zumbidos, dos terceiros. Não seria necessário perguntar o que ele estava pensando, ou empenhar-se para sustentar um diálogo vazio; se todos os empecilhos fossem destruídos, acreditava então ser possível olhá-lo nos olhos, e ver através de sua transparência límpida e azul as respostas, o entendimento mútuo. Seus olhos opacos, contudo, constituíam algo como um críptico indecifrável.

Percebi então a tolice que fora regozijar de sua escuridão esperando que ela pudesse se encontrar com a minha.

Mais cinzas

Ela se lembrava bem daquele gosto amargo de cinzas. No início, apenas representava acesso a uma realidade pertencente a um submundo que até então lhe fora desconhecido, obscuro e misterioso e, ao mesmo tempo, sedutor em sua promessa de subversão. Agora que se acostumara com o gosto, sabia que havia sido uma promessa vazia. Era capaz de sentir a morbidez e o mal estar a medida em que as cinzas se acumulavam, produtos de um fogo que consumira a si próprio. E cinzas eram apenas cinzas, restos mortais daquilo que um dia poderia ter sido.

segunda-feira, 7 de novembro de 2011

Cinzas

O otimismo estava fora de época. Quando se podia sentir a decadência no ar pesado e sujo ao redor, o mal estar era quase que instantâneo. Ele distinguiu a silhueta dela em meio a fumaça. Lembrou-se de esperas prévias em que a tensão dos meses de expectativa finalmente tornavam-se palpitações descontroladas que começavam no peito e tentavam subir pela garganta. E o mal estar ia embora quase que instantaneamente. Vários dos encontros foram assim. Até que a presença dela não era mais capaz de dissipar o seu desassossego.

Naqueles dias só podia acender um cigarro, observar o pranto ruidoso dos céus batendo contra sua janela e os carros avançando em meio à enxurrada. E não dava uma sequer tragada no cigarro, segurava-o firmemente entrededos e sobre o cinzeiro, mas perdia-se entrementes; incapaz de consumi-lo, deixava-o consumir-se por si só. Enfim, piscava bruscamente ao sair do transe e observava aquilo que restara: cinzas, e cinzas apenas.

"Você anda fumando demais."

Mas você não entende? Como você não consegue ver? Tudo são cinzas, e o que não era cinza se dissolvia em fumaça.

da Superfície

À medida em que me ocupo com coisas fúteis, encho-me de vazio até que o vazio é tudo o que me preenche e me constitui. Será o medo de ficar sozinha equivalente ao medo do esquecimento? Todos têm medo, e as pessoas que aparentam ser as mais valentes os têm acumulados, embora suprimidos e ignorados, de modo que alguma ação seja possibilitada. Quanto mais ignoro meus tormentos, mais fortes os sinto. Mas não há o que fazer além de ignorá-los... Ou seja, não há o que fazer.