domingo, 28 de outubro de 2012


Teu rosto,
a imagem na minha retina
tua sombra,
impressa nas noites insônes
Abra-te,
tu me dizes
Fecho-me,
atemorizada à menção do toque.
Seco-me,
e espero até a última gota
- não de lágrima, nem de sangue -
mas a de suor.

domingo, 21 de outubro de 2012

Oquidão

Escreve!, tu dize. O que tenho dizer do obsceno obscenamente calculado e dissimulado? Nada. Uma coisa leva a outra, e o ato supremo - reduzido à insignificância - simplesmente acontece como uma sucessão de atos impensados. Porque pensar me pesa além do sustentável. O que resta a fazer quando se acaba a voz?, pergunta meu algoz e libertador. Tremem minhas pernas, oscilo entre o pânico e o êxtase. Extingue-se também o pensamento. Tens olhos verdes musgo e pele morena do pântano. És pura sujeira, e em ti me desdobro, em ti e contigo afundo. És também redutível - nada. Que dizes? Não ouço e nem me importa. Não me ouves, sou a rouquidão provocada pela arrebatadora certeza da inutilidade das palavras.

Hoje não escrevo.

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

Esboço do Diálogo

-Acho engraçado.
-O que?
-Isso de você ficar voltando pra mim, sem querer voltar.
-Não entendi.
-Ué, acabou, mas você fica voltando. Porquê? Não é frustrante pra você?
-Não tenho essa visão das coisas.
-Bem, pois é frustrante pra mim, isso de você ficar voltando sem querer realmente voltar.
-Você sabia que eu estaria aqui, veio por que quis. Sabia que ia me encontrar.
-É, deve ser culpa minha mesmo.
-Você tem muitos outros lugares onde poderia estar. Porque não está com o Bruno?
-Porque ele foi embora.
-Gustavo?
-Bem, ele sempre está quando eu preciso dele.
-E você não está quando ele precisa de você.
-Ele me procura, aí nós damos um jeito.
Silêncio.
-E aquele cara do sábado passado?
-Um erro que não pretendo voltar a cometer.
-E eu, aqui?
-Você não está aqui de verdade. Está, mas não queria estar. Que nem quando estava comigo. Não fazia questão, flutuava em pensamento pra outro lugar. Não sei porque fica voltando, se queria tanto ir embora. Queria que fosse de vez.
-Não me procure mais, oras.
-Não te procuro, você que sempre me acha. Ou você acha que é acaso?
-Talvez tenha que ser assim, a gente buscando um ao outro alternadamente. Talvez a gente ainda se encontre.
-Não quero brincar de pique-pega com você mais.
Mais outro silêncio. Dessa vez ele não tinha uma resposta rápida, e sagaz. Desviou o olhar do dela.
Ela tocou-lhe o rosto. Ou ao menos almejou que pudesse, mas seu corpo não se moveu. Tinha medo de que o toque fizesse com que ele se esfacelasse.
-Desculpa.
O tom dela era baixinho e sincero. Não havia mais ressentimento.
-Pelo quê? - de repente, surpreso. - Eu que te devo mil desculpas, e nunca conseguirei pronunciá-las todas.
-Por não te dar compreensão, por não ter persistido ao seu lado. Não sou uma pessoa tão boa assim, sou egoísta. Não vi como te dar algo que não parecias disposto a receber. Não vi como me dar a ti, sabendo que não seria retribuída.
A dádiva, sim. Disso também era feito o amor - dar, receber, retribuir.
-Não fomos dádiva - ela continua. Talvez ele não entendesse plenamente a alegoria, não seria novidade. Nunca haviam conseguido se entender. - Fomos tragédia. Por isso esse gosto amargo em nossas bocas. - ela inclina-se e dá-lhe um suave beijo de língua. - Por isso que meu toque é hesitante e frio. - desliza a ponta dos dedos pela nuca dele. - Por isso essa sensação de tristeza que nunca vai embora.
-Por isso venho, sem querer voltar.

domingo, 14 de outubro de 2012

Zumbi

Sou vazio. Porque
Me preenchestes de silêncio
Sou ânsia, e seguro
Vivo de espera

Espreita-me vil, viloso
És murmúrio segredado
Estática do rádio dessintonizado.
Um zumbi de sentimento

Zumbido rachado, abraço partido
És corpo em putrefação
Invadindo-me as narinas
de inquietação.
-Quando eu te vi pela primeira vez, eu te olhei por um tempo. Você percebeu, mas desviou o olhar, porque?

Mania de poeta?

Perdoe-me os rodeios, é que tenho mania de poeta. Não é uma pretensão, pois que não finjo, apenas aspiro a algo que já fixei além da linha do imaginável e do alcançável. Nunca serei, não há momento em que já fui, fico presa no eterno devir. Venho falar-te novamente acerca da incomunicabilidade. Não a minha, jamais a minha. Falo de ti, de tua falta, e como estás em falta (não seria o mesmo?). Mania de poeta é justamente inventar onde não há matéria, plausibilidade, coerência, argumentos para uma discussão. O meu silêncio é justificado, frustro-me pois transformo em poesia. Ou tento. Que me basta saber que não vieste pois teu ônibus não passou, ou porque reencontraste um velho amor numa esquina? Sei que não chegaste, não chegas jamais, e isso consome e corrói e abre inúmeros buracos. Sinto aquela doce promessa na ponta de tua língua, aquela que não professou por meio de palavras.

Sinto ainda a permanência da pressão que me imprimiram seus dedos sob a minha pele.

Fantasia

Ainda insisto em crer que é você que não quer me deixar ir embora. É o seu silêncio reticente e seus olhares de soslaio, são as inúmeras possibilidades que se encontram no intervalo entre sua aparição abrupta e sua despedida esquiva. Chega mais perto de mim, eu anseio e temo. Não consigo lhe ser indiferente, por mais que me enfureça, sufoco você em sonho e em pensamento, esfaqueio com o ferro fundo, esquartejo. Mas em mim sangra você.

Sou um meio-termo que não me beneficia em nada, sou nem poeta, nem ator. Talvez um pouco dos dois, quando ignoro sua presença no canto da sala enquanto danço convulsivamente. Quero sacudir essas ideias que não sei traduzir, quero que vão para bem longe daqui. Que saiam num jorro de sangue pela boca e pelo nariz. Que não sejam ainda essa paixão que perdura, que resiste ensandecida. Que não tem motivo. Que não tem alimento. Que não tem estrelas, nem borboletas. Só a espera, e espero só, e sem motivo. Porque tenho sempre às mãos esse estetoscópio falso, a luneta de lentes biconvexas, sempre ávida por escutar os teus sinais. Assim forjo minha fantasia, agitando as asas sem te envolver, pois tenho consciência da obscenidade dos meus desejos. Sufoco-te em sonhos, e sufoco a mim mesma nessa realidade imaginada. Sufoco, pois seu ir-e-vir ( ah! que inconstância do devir) me asfixia.


http://www.youtube.com/watch?v=SZ26_buhHfI

sábado, 13 de outubro de 2012

Eis que me ocorre num repente que penso amá-lo. Acho que o amo. Não digo isso para que ele saiba e que seja obrigado a mim, para que ele se compadeça, para que os outros se compadeçam. Revelo timidamente e com assombro, que só posso amá-lo. Não o amo pelo que é, amo porque desperta algo em mim. Algo que não vai embora nunca, pois que ainda não foi. Amo porque em mim permanece, de um modo insano e injustificado. Porque basta-me vê-lo e é como se meu mundo não mais fosse inalterável, silencioso e vazio. Há um significado, ao menos pra mim. Não espero algo, apenas sei, sei que sinto. Será que basta? Basta, porque me afeiçoei o bastante. E vem do ar um sentimento que, ainda que incerto, arrebata-me certeiro e não sei ao certo a razão. Se é insanidade, se é wishful thinking, intuição. Não acabou, porque nunca acaba. É inexplicável, mas não complexo, porque não traduz-se em palavras. É uma certeza do coração, primeiro impulso e, portanto, o mais verdadeiro. O que é verdade já não mais sei, porque verdade não se delimita assim arbitrariamente e fomos compostos de inúmeras mentiras e meias verdades, uma soma que não desemboca numa verdade absoluta. Temos verdades no plural, assim como liberdades. Ainda assim, dissimulamos e sentimo-nos presos.

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Esboço da Magia

É encantamento. A única forma de compreensão aceitável aos meus olhos é a magia. Foi teu feitiço. Foram inúmeros feitiços. São rajadas dispersas de luz, são sombras úmidas que alcançam meus pés, são ataques vindos de todas as frontes. Sou eu querendo sentir tudo, absolutamente tudo. Sou eu querendo reduzir-te ao nada, resistindo debulhando resfolegante esfolada transviada à mudança. Eu, que passei por tantas mudanças, que eu mesma transladei e rotacionei para retornar ao ponto de partida. Que agora acredito na magia. Só pode ser feitiço. Agora faço uma simpatia, uma amarração. Porque é tudo excessivo, muito claro e muito poderoso. Amaldiçoo e abençoo simultaneamente , profana e sagrada. Maledicente e sacrificante. Derramo meu sangue da ferida aberta em seu túmulo - até a última gota, até a última gota. Bem, era a intenção, mas por ti já não sangro. Cambaleio, alterno meu peso entre os pés, bamba. Mas não caio, pois que tenho outras forças que mantém-me de pé. São inúmeros feitiços, por vezes se anulam. Tiro os pés do chão e levito com a força do pensamento, tudo é névoa, cinzenta e plácida, espessa e inescrutável. Espero pacientemente, imagino que quando desfizer-se a névoa, revelar-te-ás. Serás outro, serei outra, talvez na clareira, na sombra fresca do bosque, ao som dos pássaros dissecados, ao som dos violinos e dos tambores, ao som do silêncio; ainda há contiguidade, me és familiar. Pergunto-me que forma terás assumido, não mais serás o lobo à minha porta, talvez lince, talvez jaguar. Metamorfoseado nos conceitos, categorias, gênero. Metamorfoseado e transmutado em si mesmo, minha oposição e meu complemento. És magia e feitiço, parte e todo.