terça-feira, 16 de julho de 2013

Noturno Soturno

Não ganharás nada mais
Que algumas rimas pobres
Teus silêncios sepulcrais
A meus olhos não são nobres

Tua fuga é tão sorrateira
Tua ausência sempre certeira
Não me atinges mais, soturno
Nem quando esmorece noturno

(Esperar por ti é como
Segurar um fôlego que não)

Esperar por ti é como
Torcer por uma lua em Júpiter
e Saturno

Não, noturno
Te fechas e és envolto por névoa
Que não ousarei perpassar
Pois remanesça soturno
E eu, por ti
Não mais ouso rimar

Há um entrave em minha trama. Ela é feita só de nós que não consigo desvelar. Não há o que contar além do sufoco dos gritos e o desague das lágrimas na fronha do travesseiro. E a quem importa? Pessoa já dizia, não importa, pois nada importa. Acordo sozinha mais uma vez. Sucedo em escrever-te mais um poema. Me calo.

E sou feita de calos e silêncios impostos. Nada desejo independentemente: queria querer (por outrém, a outrém), queria que quisessem por mim. O que resta é imobilismo e agonia. Quando pego uma caneta, escrevo o mesmo lamento. O pânico da existência sem sentido. Instrumentalizada sem espírito. Sem respostas para perguntas infundadas.

Voluntariamente, me calo.

domingo, 14 de julho de 2013

Encara a capa do livro. Comprime seus olhos tentando estancar as lágrimas. Mentira. Quisera ser capaz de fabricá-las. Mantém-se distante tentando segurar uma dor fantasma, que não mais sente. O que já fora plácido branco agora é encardido. Tentara limpar aquela capa inúmeras vezes, quisera mais do que tudo no mundo restaurá-la. Só conseguia pensar na dedicatória cravada em nanquim na folha de rosto. O esboço do esforço. As promessas e desculpas vãs. Devia tirar todos aqueles livros velhos da estante se quisesse arrancar aquela página de sua vida. Mas eram tantas páginas doloridas que teria de arrancar de modo a limpar todo aquele ranço! Ficaria apenas o vazio. O vazio de todas as relações que não sobreviveram ao conflito entre individualidades. “Somos tão bobos”, pensa com amargor. Não ousava mais acreditar no conforto encontrado em outrem. De súbito, toma o livro velho em suas mãos e abre a página da dedicatória. Oito anos atrás.

Só posso prometer não fazer promessas.

Bom começo: isentar-se de toda e qualquer culpa. Ninguém seria responsável senão por seus próprios nariz e umbigo. Riu pelo nariz e sentiu o rancor repuxando suas vias aéreas como se fosse um gancho. Havia bradado tão ferozmente “me deixem em paz”, quando ainda em busca de sua própria liberdade, que a ironia de sua própria ingenuidade era como fumaça. Sufocava. O pior era sempre conseguir o que se quer e perceber como não havia significado profundo algum naquilo. Era livre. Não derramava uma lágrima sequer ao ler aquela dedicatória, não sentia raiva, tristeza, saudades. Não sentia nada. Livre de obrigações para com os outros, livre de qualquer culpa. Foi-se embora com seus próprios pés, era decisão sua e foi respeitada. Ninguém tinha o direito de intervir na vida dos outros. Por isso sua ingenuidade de há oito anos era fumaça, havia sido dissipada por completo. “Ser livre é ser sozinho?”, indagava ainda com certa incredulidade, ainda com incrédula certeza. Ser livre é ser sozinho. Nem os anos que se passaram tinham o poder de pesar em seu espírito. Pai, mãe, irmão, amigos... O que eram as pessoas senão instrumentos?

Não acredito nisso. Você está distorcendo minhas palavras.

Claro que também não acreditava naquilo. Bem, claro que acreditava. Quisera não pensar daquela maneira, mas foi-se encaminhando para essa conclusão cada vez mais. Olhava friamente nos olhos do outro. “Então me amas? Não sei mais o que isso significa”. Será que era porque nunca havia amado? Não, não amara ninguém. Tão somente porque elevara o amor a status tão nobre e puro que jamais seria capaz de senti-lo. E jamais seria capaz de acreditar que outro ser humano conseguisse ser tão puro e tão nobre.

Ah, as coisas como são.

Moveu-se após meia hora de imobilismo letárgico. Abriu a janela e acendeu um cigarro. Fumava demais, bebia demais. Era incapaz de controlar seus excessos. Mas porque fazia o que queria. Não tinha obrigação de se controlar, por ordem de alguém, por crença em algo, por amor – sacrifício, abnegação, elevação espiritual. Quem ainda levava esse tipo de coisa a sério? Terminou seu cigarro e apagou-o na capa do livro. “Você não significa nada”. Atirou-o pela janela. Se ao menos tivesse coragem de atirar-se... aí sim que aquele ciclo infindável e inescapável teria um fim.

Porque tudo o que te faz mal é fruto de tua própria paranoia.

Teu silêncio, meu alívio

Bem sei que poderias me mandar notícias. Vejo-te trancado em seu quarto parcamente iluminado, onde luzem apenas a tela do computador e o sol poente que invade as frestas das cortinas. Teus livros estão amontoados na escrivaninha, tuas dúvidas todas jogadas e embaralhadas frente aos teus olhos cansados, tuas mãos inquietas a bagunçar teus cabelos. Construíste para ti, com êxito exuberante, este gabinete hermético. Do alto de tua torre, idealiza tons incandescentes para quebrar com teu cinza, descontrair teu cenho. Meu cinza não te indica o que desejas alcançar. Bem sei. Estamos juntos apenas em confusão e desarmonia – no austero monotom. Não sabes. Estás tu em tua torre; eu entregue ao sumidouro. Te dignas a baixar os olhos brevemente. Não me reconheces em minha verdadeira forma. E a verdade que sei, muito embora te supondo nessa torre imponente, cujo cimo corta impiedosamente o céu fechado, é que transbordas de fosso profundamente escavado. Suponho.

Regozijo na tua falta de notícias. É aí que anseio a quebra da monotonia, contendo-me contente na contemplação da memória de tua figura esguia. Não preencho teus silêncios com minhas fantasias. Tão somente teus silêncios que fazem cessar o fluxo excessivo da minha consciência demente. Preencho teus silêncios com os meus, tecendo a mais perfeita sinfonia. Te acalmes. Não fales, pois que nosso entendimento mútuo é a ausência de palavras. Deixo esparsas ondas de tua maré baixa expurgarem minha costa. Costas retorcidas, deformidade causada por desorientação. Leve pluma é meu sono nos breves momentos de descanso ao teu lado. Vento brando à beira-mar: sopras em meus ouvidos o meu próprio nome, em interrogação. Ouço o som das ondas varrendo a praia. Tuas mãos deslizam suavemente sobre mim por um breve momento. A mais breve carícia, até em simplicidade e hesitação. É a única que aceito. Gesto sincero.

Cala-te. Pois que não desejo de ti nada que seja insincero. Percebe, pois. É tua nau que acalma meu oceano inquieto. Explora (a)a vontade e no ritmo ditado pelo tempo! Explora também outros oceanos, ao passo em que permito que outros em mim naveguem. Mas, volta, porque és conquistador, não da presa inerte, nem do selvagem incapaz. Conquistador, contudo, de um indivíduo que te aprecia e te respeita. Conhecedor de águas profundas. Faças uso dos meus silêncios e perdoai minhas metáforas, ainda que delas te esqueças – quando do alto de tua torre. Fecha-te de mim, hermético. Agradeço tua distância, meu espaço de ar doce e puro. Teu silêncio é meu alívio.

O que digo nunca é o que sinto. O que escrevo é o que invento de mim. Nada me proponho a contar, o mundo é só decepção e o que me passa não é memorável. Mas as memórias me sufocam. Tento organizá-las cronologicamente, causa-e-consequência, linha ascendente. Algo faz sentido? Ah, a razão! Poderia utilizá-la para compreender, mas já a perdi há algum tempo.

O REVÉS DO VIÉS EM SUA CONTRAPARTE.