o PESO da VIDA nocauteia-ME uma vez mais.
Não em razão de sua falta de essência, causa ou consequência. Não pela imbecilidade e falta de consciência dos outros, ou até mesmo a consciência de minha própria imbecilidade. Eu não tinha uma causa, e eu não buscava um sentido. Fora nocauteada e zanzava feito barata tonta, não havia lugar onde quisesse estar - ou ao qual pretendesse chegar. Não buscava ocupação. Todo conhecimento era estéril, eunuco, caduco, sem razão-de-ser. A solidão era demasiado certa para que eu me deixasse iludir novamente na promessa da saída de emergência. Havia um palhaço no metrô, mas ninguém ria. Havia calças pretas, cinzas e marrons - peles pretas, cinzas e marrons -, e não havia cores. Havia ruídos e sons e vozes, nunca música. Havia tantos fantasmas para me assombrar, mas eu não reagia. Eu estava mais uma vez chorando na 108 sul, apesar de não mais inconsolável e desenfreada; agora estática e catatônica, agora respirando ainda que com dificuldade. Não mais seria estrangulada, segurava minhas lágrimas de cabeça em pé e com os cabelos presos atrás das orelhas. Certa do fim, ainda que sentisse que o fim demorava a chegar, com os trilhos a poucos passos de mim, sabia não ter a coragem para me atirar. Os piores dias são os que começam bem, porque a carga das expectativas é muito pesada, porque a discrepância entre o real e o ideal é muito absurda, porque a promessa do encontro nunca se concretiza, porque a volta pra casa é sempre solitária, é sempre a rendição incondicional de quem não aguenta o frio o sufoco da multidão, de quem só quer descansar, fechar os olhos e acordar-se outro, fechar os olhos para não mais abrir, fechar os olhos rijos com tamanha violência para que as lágrimas parem de escorrer.
[porque quem compreende não ama, e quem ama quase nunca compreende o que é amar, justifica-se a suspensão de certo e errado em função do amor como justificou-se o holocausto, ou extermínios de outras dimensões]
"A descida ao metrô foi como a morte."
Mas não porque você soltou a minha mão, mas porque a segurou, em primeiro lugar. Por entrelaçar seus dedos nos meus, por ter de rasgar-me e invadir-me para poder se sentir confortável, por ter me imobilizado de maneira tal que não pude expulsá-lo, por ter-me impregnado; e aí sim, depois de conseguir sentir-se inteiro em função do meu próprio esvaziamento, aí sim soltou-me nessa descida desenfreada, em queda livre no abismo fétido gélido - escuro.
E eu encarei a escuridão, mas somente a escuridão encarou-me de volta, tatuando-me e transmutando-me em breu. O problema é sempre a solidão.
Quando toquei-te com suavidade e zelo e cuidado tamanhos que em ti quase não encostei - que de ti nada senti -, quando me olhaste com olhos opacos, aí foi que desfizeste-se bem em minha frente. Então vi que era inalcançável, feito de fumaça e espelhos, redutível ao pó; que todos seriam inalcançáveis pois eu que nunca haveria de desejar ser tocada, porque por mais que fosse absurdo o número de fantasmas, eles nunca me trespassavam, nunca sucederam em me consumir. Eu que me comia por dentro, que queimava não em combustão, mas em infindável azia. Agonizo a eterna mágoa, quer seja minha própria, quer seja de outrem. Alimento-me na fraqueza dos outros, e quando estão esbeltos e poderosos e distantes, eu que recolho-me inflexionada em minha introspecção.
[não me condenem por minha introspecção! só quis ficar ao teu lado em silêncio, mas porque me darias o silêncio e o conforto? queriam me bagunçar, bagunçavam-me ao acaso, insensíveis à minha própria fragilidade]
"Sou fraco, sou feio, sou fútil" e não posso nem ao menos consolar-me na singularidade de outro. Não roía as unhas, não mordia os lábios, permanecia impassível e impenetrável, e isso que me destruiria por completo, aos poucos.
[Tinha que desmistificar o amor, porque nunca havia amado, o que me parecia mais grave do que nunca ter sido amada - acho que por isso agarrei-me a ti por tanto tempo. Porque nunca havia sucumbido, não aos teus pés enquanto ainda eras sólido, mas deitei-me e afundei-me num leito composto por sua poeira. Nunca sucumbi, não aos pés de outrem. Preferi continuar sendo minha pior inimiga. Nunca amei - pois odiava a mim mesma mais do que tudo]
Não me importaria se alguém me afagasse os cabelos ou me envolvesse em braços, conquanto não me sentisse nauseada com o contato indesejado. Tudo diria respeito àquele embate dicotômico do lugar-comum , amor versus ódio, o caos interno sempre camuflado pelos olhos frios, pela apatia e pelo escárnio. Não queria uma causa, toda causa era inútil, toda vida desperdiçada. Queria sentir algo que não fosse a foice e o silêncio, ter outra certeza além da perspectiva de que seria a solidão que eventualmente me ceifaria a vida.
Tudo que eu tinha fora roubado. Assimilei-me aos que mais desprezava, nivelei-me por baixo. Livrei os que amava de meu fardo pesado, qui-lo só para mim. Era meu único companheiro, e nós nos entendíamos.
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