Estava estatelado no chão. Ouvia passos, barulho das botas amassando os cacos de vidro. Crec crec crec. Esmagado.
Via o enfrentamento silencioso de olhares que vinham de lados opostos da mesa, como se dissessem "Você não gosta de mim? Pois bem, eu não gosto de você também". Acendeu um cigarro e deu uma tragada ainda com uma bochecha colada ao azulejo encardido. Como era desnecessário e patético aquele desgosto mútuo, aquele embate para a demarcação de um território. Não faria menção de se levantar justamente por estar confortável demais em contato com o chão frio. Colocaram-no ali, e ali se encontrara. Toda aquela futilidade que se passava apenas a alguns palmos de distância, pessoas discutindo na mesa, confrontando-se com questões que balbuciavam bêbados, que nem ao menos ocupavam seus conscientes sóbrios, apenas fazia daquele fim de tarde ainda mais enfadonho, acrescentava um peso adicional à gravidade, que pressionava ainda mais o seu corpo rijo contra o chão.
Nunca esteve pronto para a retribuição. Amaria de modo incessante e descompensado enquanto não fosse correspondido. Deixaria ao abandono, em silêncio, num desprezo quase solene, todos aqueles que esboçassem um sinal de admiração. Ratos imundos. Era preciso ter uma autoestima beirando a zero, e ser muito iludido, para engolir toda sua corrupção, para fazer vistas grossas e justificar com um "é só o jeito dele".
Então o barulho das botas cessa por um instante, pois ela estanca ao vê-lo grudado ao chão. Não para por hesitação, apenas para poder aprofundar o franzido do cenho, aprofundar o seu desprezo. Ela sim era a única que respeitava, e porque ela havia partido, só depois dela ter partido. Afastou-se com graça e leveza, muito embora estivesse segurando o choro, apenas esperando o momento em que ninguém mais estivesse olhando para poder jogar-se pesadamente em sua cama com o intuito de nunca mais levantar. Mas ela não pestanejou. No segundo em que uma ideia invadira sua mente, também tomara conta de si, e avançou com certeza.
Soltou um meio sorriso em respeito e nostalgia, o compasso do baque dos saltos daquelas botas era familiar e agradável. Pediria desculpas se não achasse que fosse tarde demais, e se não tivesse medo de ter aquele salto familiar fincado em seu crânio. Não disseram nada. Só trocaram olhares que, certamente, duraram menos tempo que o aparente, e ela seguiu seu caminho passando por cima dele, depois deixando o apartamento ao fechar a porta silenciosamente.
Levantou-se num só impulso e foi sentar-se à mesa. Agora sorria um sorriso inteiro.
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