quarta-feira, 8 de agosto de 2012

Mas.

-Mas. - ela falou simplesmente. Sabia que estava se opondo a algo, o peito enchia-se de indignação, buscava forças para com seus braços apartar aqueles braços que a envolviam, só não conseguia organizar suficientemente seus impulsos e suas palavras para realizar a ação necessária. - Mas. Mas. Mas.

Passava a mão insistentemente pelo rosto, coçando o nariz, esfregando os olhos. Não conseguia focalizar nada, queria apartar a tontura, conter o desespero que estava em seus prenúncios. Não sabia onde estava, nem o que queria - sabia que não queria estar ali.

Um balde de água fria literal escorreu pelos seus cabelos e percorreu em pequenos filetes seu corpo nu. Estava nua, reparou apenas naquele momento. Onde estavam suas roupas? Sentiu um frio súbito, não na pele, mas no desespero.

-Mas eu não quero isso. - protestou, com súbita violência, sacudindo os braços desarticuladamente, escorregando no azulejo e batendo de cara no chão. A dor ela conseguia sentir, conseguiu decifrar. Ouviu aquele estranho e horrendo barulho quando chocou-se contra o chão. Contudo, estava tão atordoada que a dor logo foi esquecida.

-Fica quietinha, só estamos te dando um banho. - disse uma voz que parecia vir do além, mas que provavelmente era pertencente à dona daquelas mãos que agora lhe ensaboavam.

Sentiu uma indignação que não conseguiu expressar no momento. Não queria um banho, não queria aquelas mãos estranhas tentando limpá-la, não importava o que fizessem, continuaria se sentindo imunda, horrorosa, errada. Seu cérebro obedecia a um balançar digno de barco em alto mar, os pensamentos o percorriam em ciclos - proa popa, estibordo bombordo, casco mastro. Aquelas pontadas infernais pareciam provenientes da âncora, uma ideia fixa determinada a deixá-la presa a um mesmo lugar.

-Não quero, não quero, não quero isso. - se estivesse consciente saberia o quão infantil estava soando. Os demais soltaram risadinhas. Não sabia quem eram, nem quantos eram, podia ser uma pessoa, a capacidade total para preencher aquele banheiro, ou então apenas seu próprio subconsciente rindo dela mesma.

De repente, foi atirada sobre uma cama macia. Alguém afagou-lhe os cabelos molhados, que umedeciam-lhe a face junto às lágrimas. Balbuciou agonias e desalento existencial, não sabia nem que estivera sentindo aquilo por tanto tempo. Tanto tempo, 20 anos, desde que nascera. Ou pelo menos desde que tomara consciência. Consciência? Sequer sabia o que era aquilo, não parecia que tinha direito de tomá-la para si.

-Não era isso que eu queria. Mas.

Aquilo que lhe fora dado.

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