Desconverso e desvio o olhar. Sei que você quer cuidar de mim, eu é que não quero mais precisar (e querer) ser cuidada.
-Passa aqui amanhã - você insiste.
Eu continuo relutante. Não é que não queira seu carinho, é só que nunca sei medir bem essas coisas, não quero ter de me acostumar a ficar sem você, pois sei que vai decidir partir. A vida é feita de movimento, e como poderia ser de outro jeito? Tento manter as coisas estáticas, mas sou jogada de um lado para o outro com tanta violência que por vezes só fecho os olhos e peço desesperadamente para que a turbulência passe. Mas peço pra quem, se não acredito que tenha alguém de ouvidos prontos a me escutar? A maior parte dos meus apelos vai para minha força de vontade, adormecida, acomodada, quieta. Nunca me sinto pronta para adentrar um novo turbilhão, geralmente sou impelida a isso. Uma vez que passa a tempestade, fico jogada em meio aos escombros, recolhendo estilhaços e pedaços daquilo que deixara de ser, me apegando às migalhas. Resisto às mudanças.
Em termos de afetividade, sou como animal selvagem. Posso rosnar, latir e até morder de início. Não é por mal. Estou acostumada a ficar na defensiva. Mas, uma vez que me domesticam, não tenho mais vontade - e nem coragem - de voltar à dormir na estrada fria e escura. Sou como cão vira-latas que, uma vez bem afagado e alimentado, escolhe seus mestres e tem-lhes em alta conta permanentemente. Escolho também ficar às voltas com meus queridos amigos, donos do meu coração.
E se eu quisesse passar na sua casa todas as manhãs?
Sou como animal acuado, já fui domado e domesticado, porém fui demasiado maltratado por aqueles que me prometeram proteção. Devo então ser autossustentável, voltar às ruas e contar apenas comigo mesma para me defender. "Só o acaso estende os braços à quem procura abrigo e proteção", já dizia um estimado poeta.
O problema é que não sei medir essas coisas. Amor não se quantifica, é óbvio. Tampouco deve-se cristalizar. Mas como vencer a insegurança que traz essa certeza da mudança? As pessoas a gente perde, mesmo porque não há como tê-las por definitivo. Contudo, cada um que parte parece levar consigo um pedaço de mim. Sinto-me cada dia mais esvaziada. Ameixa seca sem rumo, não tenho pra onde ir, não tenho em quem confiar.
Seus braços me envolvem e me protegem do frio nesse momento. Observo a paisagem, fotografando-a com os olhos, e no instante seguinte as nuvens já flutuaram para longe do sol, o amarelo tornou-se laranja, o barco que encontrava-se à direita da minha visão, está à esquerda. O pescador recolhe a rede sem peixes, o falso suicida - apenas mais um desesperado - atira-se ao lago, mas não consegue afogar-se. As cores e os movimentos se alternam, se transmutam, é certo. Mas no mundo humano tudo permanece em imobilismo. O coração humano, que tanto oscila e lateja, insiste em uma constante: a dor.
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