quarta-feira, 11 de julho de 2012

Suspenso

Tinha que conseguir escrever algo que não fosse sobre ele, sobre como ela estava depois dele, como ela não conseguia mais achá-lo em outro lugar, em outrem. Talvez não fizesse sentido, no fim das contas. Nem lembrava mais se aquele olhar perfurador era azulado ou esverdeado, não lembrava da cicatriz na sua mão, tampouco da inclinação da nuca, não sabia nem ao menos com qual letra começava o seu nome.

Listen to your heart, listen to your heart.

A música explodia em seus tímpanos. Ficaria surda antes de ser capaz de escutar a voz do coração. Era um coração surdo, mudo, cego e insensível o que sempre quisera. Continuava seu caminho com passos irregulares, saltava um ou outro ladrilho por impulso, não havia nenhuma ordem lógica. Sentou-se de súbito no chão de concreto que absorvia o calor do sol. Suas pernas queimavam. Tentou a posição da flor de lótus, mesmo não sabendo ao certo como fazê-la. Suas pernas queimavam, isto era certo, mas queimavam mais intensamente seus ouvidos, enquanto aquela batida que sempre tentava imitar descompassadamente com os pés martelava o cérebro.

There's an empty space inside my heart.

Fechou os olhos e prosseguiu naquela meditação de fachada. O sol queimava o couro cabeludo, o suor começava a escorrer, e sentir energia - qualquer tipo que fosse - era a última coisa que fazia, sentia mesmo era irritação e calor. Um dia ainda conseguiria elevar-se, mas talvez só no momento de sua morte. Mas tudo era música. Não sabia exatamente como criá-la, mas sabia muito bem como tocá-la dentro de si.

One day I am gonna grow wings, a chemical reaction, hysterical and useless.

Agora tentava deitar-se no chão frio de cerâmica de bruços e elevar-se uns poucos centímetros, mas a gravidade a puxava para baixo, seus músculos não aguentavam, e sentia com uma das bochechas um gélido prazer, intimamente masoquista. E era tudo que precisava, ser deixada ali no chão, sem interlúdio para a dor que era a única coisa real - nua suspensa aberta, sozinha -, só implorava por um choro que não tivesse de abafar e um sorriso que tivesse de repuxar e porra, quem liga pra qual sapato está na moda agora?, não é como se isso não fosse mudar daqui a três meses, vou continuar usando meu tênis surrado, vou andar descalça pelo concreto em chamas.

Nada fazia sentido, e por isso era tudo sobre ela. Sobre tudo que flutuava ao seu redor, tudo que tentara tocar e se desfizera na simples menção do toque, alguns objetos simplesmente me atingiam em cheio na cabeça, algumas facas eram atiradas, você tentava a todo o custo desviar. Eu era ela, mas ela não era mais eu, e nossos movimentos não se combinavam dos dois lados do espelho. Ela tinha essa ânsia, sentia todas as coisas entrando em ebulição, eu fechava-me em posição fetal no escuro.

De repente, não havia mais música, pois que não havia mais o que sentir. Agora esperneava na cama. Lembrava-se de um verso e cantarolava histérica, fora do ritmo, com a entonação incorreta:

I just wanna feel everything.

A música tinha fugido, os tímpanos estavam estourados e o sangue lhe escorria pelo canto da boca. Tudo estava suspenso, mas em um átimo estava em queda livre. Não conseguiria se elevar, a gravidade continuava ali puxando tudo para baixo.

I never cared before

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