sexta-feira, 24 de julho de 2015

siamesa amputada

09/12

Não devo rebuscar. Primeiramente, pois já estou madrugada adentro, mas além disso porque sou simples. Simplória, comum. Não tenho a capacidade de contornar os meandros, enlear rodeios, florear minhas confissões. Depois, porque sei bem o que quero dizer. Quando não sei - ou quando não quero admiti-lo - é que tento camuflar-me pelo uso excessivo de palavras, ou, mais comumente, por silêncios graves e observantes.
Estamos em dissonância. Continuamente alternando posições, nesse jogo que ocasiona tão somente a dor, nenhum prazer. Você diz que salvei sua vida, mas eu não quero o peso dessa responsabilidade a carregar. Você diz com o que se identifica, eu rebato, muda mortificada. Foste a criança deixada num cesto à minha porta. Não há como negar-te, pois sei que te alimento. Mas sabes tu que, por tua vez, me retroalimentas?
Contornas os meandros, vês razão-de-ser em meus defeitos. Sou séria, sou chata, sou ríspida. Mas sou eu e, por algum motivo que tu decifras em suas lentes estreitas, isso é de valor inestimável. Porque eu impus limites, fui intransigente, there's a gap in between where I end and you begin.

sábado, 11 de julho de 2015

beautiful angel
pulled apart at birth
limbless and helpless
I can't even recognize you

(thom yorke)

quinta-feira, 9 de julho de 2015

O sentimento – paralisado pelo medo?
A minha recusa de fé
Há o medo do escuro e há a realidade
dos monstros no armário nas noites solitárias.
Se a língua transforma o caos em cosmos,
o que é isso?
Tua língua em mim, lasciva,
tua imagem transfusa à minha,
teus demônios cegando minha rotina.
silêncio – paz aparente?
pretensão da calmaria ignorante
de tudo o que permanece condensado
nessa distância entre nós – um palmo
em erupção, perigoso aperto velado
amizade? embriaguez subcutânea

olha, aí vem seu namorado.

domingo, 5 de julho de 2015

Para o café-da-manhã vespertina
Ovos fritos e cérebro
Café ralo de filtro reaproveitado
Já não sei mais qual a minha opinião
Balbucio meias-verdades e acuso
seus tiques inconscientes
enquanto minhas pernas se sacodem
impacientes, passado o prazo final.
Mastigo com dificuldade e sem apetite,
o que tem gosto de mágoa,
granulados de estilhaço de vida.
Você me pergunta: porque está tudo
fragmentado e o que isso tem a ver
com o estatuto da História como ciência?
Sigo vivendo e não conseguindo
e você espera que eu aplauda
essa sua falsa rebeldia?
Um dia todas as suas mentiras
vão te asfixiar e te deixar
jogado na sarjeta completamente nu,
não de roupas mas escalpelado.
É o rito de passagem que faltou.
Eu sigo. Sou uma farsa e sei,
mas vocês todos acreditam.

sexta-feira, 26 de junho de 2015

dos discos arranhados

Eu não te perdoei. Eu nunca vou te perdoar e você sabe disso melhor do que eu, não é? Você sente meu olhar vazio quando eu te vejo. Você não vê espaço para me preencher de novo de amor. Amor que já transbordou por você. Você, perfeição, paciência, lar. Eu quis tanto redescobrir isso em nós. Só consegui sorrir de novo na sua presença quando percebi que era uma ideia vã. Eu fingi que te perdoei só para ser melhor que você, dando continuidade ao nosso infindável ciclo de decepções. Ao nosso jogo de intenções veladas. Tento compreender o que nos atrai de maneira tão irrefutável. Se me tornas pior ou melhor, se é esse o efeito que causo em ti – se é que somos simétricas. Se é que desferi golpes tão cruéis e sutis em ti, e foste contra-ataque. Desço de meu terreno elevado de moral e ajoelho-me perante a ti. Sou uma farsa. Se o faço é porque ainda quero te derrotar, sendo melhor do que foste comigo. Ou quero me destruir? Mas sou grata. Você me ensinou, melhor do que ninguém, que o caminho que devo trilhar é solitário. Que a compreensão é meramente momentânea, fica na beira da estrada, separa-se de nós nas bifurcações, nas curvas dos rios, nos penhascos vertiginosos. Fica nos abraços que partimos, no banco do passageiro da carona que pegamos. Quero elevar-me apenas para ser maior que você. Que tipo de elevação poderia vir de projeto tão vaidoso? Mas me ensina uma vez mais a saborear de tudo aquilo que é amargo, tudo aquilo que não flui naturalmente pela minha garganta. Você me faz insistir. Minha redenção encontra-se justamente na promessa de que serei um dia capaz de perdoar. Libertar-me no perdão. De todas as expectativas que fui capaz de depositar em você, sem que me atentasse ao que em ti desconheço. Tudo o que você recusou a partilhar. Me força a te respeitar. A te admirar dessa distância imposta entre nós – que um dia cri inexistente. A sentir o solo instável quando me coloco acima de ti, de outrem. Eu não preciso te perdoar. Eu preciso esquecer tudo aquilo que eu já pensei que era meu e teu. Quem eu achava que era você. Não há como estancar a ferida, pois que teria que me iludir novamente. Amplio-a para abarcar todas as decepções que eu sei que você ainda é capaz de cometer. Não por maldade, nunca por maldade. Talvez por ser você, assim, tão diferente de mim. Por participar do jogo que inventamos. Por estar presa na mesma teia que eu – por dividir protagonismo que eu queria só para mim. Eu não consigo me perdoar, por essa autoimagem casta, limpa, incorruptível que inevitavelmente faço de mim. Usávamos espelhos quebrados, você sabe disso? Talvez você até fosse reflexo de um dos meus eus dilacerados. Que não foram capazes de te enxergar, para além de mim.
Reviro-me toda perante a ti e vejo que não há a necessidade de perdoar. Há indícios irrefutáveis... o que nos liga... talvez só você seja capaz de me compreender.

(É recíproco, não é?)  

terça-feira, 23 de junho de 2015

verborragia interna é o timbre do capeta, ele disse

eu gosto de me machucar. abrir a tampa do fosso e mergulhar a cabeça, ficar até vomitar no vômito. me disseram que da lama que vem o lótus. do meu sangue talvez verta-se a resposta. se é o que busco. se me satisfaço com o que encontro. mastigo leniente as pétalas dessa dor. ferida canibal alimentando-se de casca. sorvendo pus como se seiva. onde estão as ataduras que você colocou? calma mãe, amanhã eu ligo pro médico. essa fraqueza não é só anemia, é claustrofobia, é paralisia cerebral, é masturbação excessiva. mãos atadas, faça-me parar. lobotomia? sim. o tratamento está à discrição do paciente. claro, depende do seu livre arbítrio. mas eu gosto de me machucar. tenho sede de lágrima, fome de chaga. pandora epiléptica na antessala da decepção. eu gosto de ver a vida esvaindo-se de mim, pra pedir por uma nova chance. jogar tudo fora porque é melhor pensar que o que tenho não é muito. dá pra conseguir tudo de novo, novo. muitos lados de muitos mundos. não é preciso correr para errar. não preciso que me protejam dos lobos. vicio-me nas cinzas daquela decepção. se quiseres, desfira quantos golpes desejar. penetra-me fundo e permanece, parasita vil. miro o precipício, incólume. a fatalidade não seduz a quem gosta de se machucar. o avesso da dor também dói e é prazer. é bom que não haja limites. há fluidez mecânica. em um sólido as tensões derivam de deformações elásticas sofridas sob ação de forças externas. sinto as criaturas que farejam o ar ao meu redor soprando seu bafo quente em meus eus passados transmutados. em um fluído, as tensões derivam do fluxo resultante da aplicação dessas forças externas. sinto quem disse achou pensou que amou transbordando lágrimas sobre meus destroços. a propriedade que um fluído tem de apresentar resistência às tensões cisalhantes é chamada viscosidade. se ao menos amassem e se ao menos soubessem como me despedaço sem hesitação. por isso diz-se que os sólidos são materiais elásticos e os fluídos materiais viscosos. quebro tanto que não quebro mais, acho. por isso gosto de me machucar, deixar o sangue quente acariciar-se pela língua lupina, o membro inerte gangrenar, o sentimento puro sujar-se e, enfim, putrefação fétida amputada. viscolástica. quanto mais sujo for esse poço mais leve, clara, lúcida será a flor,

por favor


pois tenho essa chaga comendo a razão


armas em riste,
porte de armadura
hipnose aromática,
nessa vertigem

eu me atiro
e não se finda
qual fígado que pro métis
perpetuamente dilacerado
na mira do olhar fumegante
do Outro-corvo

lava, pó, Nada - mecânica do descontínuo
indefinidamente escuta lasciva
das vozes aveludadas
vermelhas
tartáreas
preci
pita
m


ah, voluptuosa queda
na Garganta flamejante
de ambrosia,
catarro,
fel. 


eu gosto de me machucar.



delirium tremens

schildern Sie Ihre Traurigkeiten und Wünsche
die vorübergehenden Gedanken 
und den Glauben an irgendeine Schönheit

(Rainer Maria Rilke)

loucura esperança loucura esperança loucura es
tu
pi
dez
pinga
dos anseios que transpiro.

tépido
estado de espírito
interrompido.

-fé em qualquer beleza,
disse o poeta dos anjos
terríveis.

abra os ouvidos
prum universo mudo,
silenciado demônio incorpóreo
puerperal
posterior à tempestade

que são essas vozes
abafando o claustro
loucura-esperança
em
bria
guez

-quais queres?,
indago ao poeta
fumaça de meu cigarro,
servindo-nos licor de anis.
balbuciando sua própria saliva,
deixa-me e diz:
cessa de ressentir o querer.

só sobejo suplício
escaldante glaciação
floral pútrida.

A grande Beleza
transpassa a puerilidade estetizante,
de lava, pó, Nada.
Nunca mais?

isso que dá ouvir conselho de poeta

-fé no desapego,
concluimos sôfregos
ainda
aferrados ao gozo.