quarta-feira, 10 de junho de 2015

jovic

Ele balançava a perna impacientemente, enquanto ela remexia sua mochila.
-Esqueceu o meu isqueiro de novo?
Ela lançou-lhe um olhar perfurante.
-Meu isqueiro – retrucou com um resmungo e continuou a vasculhar sua mochila. – O problema não é esse.
Parecia extremamente agoniada. Ele colocou a mão no ombro dela e deu algumas palmadinhas. Tudo aquilo seria necessidade de fumar um cigarro?
-Tudo bem, bom que a gente não fuma – ele disse, com um tom um pouco decepcionado.
Ela bufou.
-O problema – continuou, ignorando o consolo do amigo – é que quando eu tenho o cigarro, falta o isqueiro. Hoje trouxe dois isqueiros – abriu o punho e mostrou-lhe um isqueiro azul e outro branco, seu semblante irritado.
O enunciado parecia uma profunda questão existencial. Ele entendeu. De que servia, afinal, esse excesso de isqueiros se não havia sequer um cigarro para que pudessem partilhar?
-Sabe, acho que eu venho travestindo desejo carnal com carência emocional. – ele disse – Afinal, não acho que preciso de amor. Queria mesmo era trepar.
Ela riu, não acreditando em sequer uma palavra do que ele havia dito. Mas deixou pra lá, não quis contestá-lo, achava cruel arrancar alguém do conforto de uma negação para uma realidade de privação.
-Eu acho que tava tudo bem pra mim, sabe. – ela respondeu – Acho que eu nem desejo mais nada de ninguém não. O que eu quero é a cessação do desejo e tal, tô investindo nessa coisa budista.
A reação dele foi instantânea: bufou sonoramente e em seguida gargalhou.
-Sei!
Troca de olhares incrédulos. Nenhum deles acreditava no que o outro havia dito. Apesar disso, ambos se conheciam. Não eram mentiras – aquilo era a compreensão. Ao menos por um momento.
-Como eu precisava desse cigarro – ela lamentou.
-Você não precisa desse cigarro, Buda – caçoou ele.
Ela fechou os olhos e respirou fundo.
-Cara, a gente precisa estudar.


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