quinta-feira, 28 de junho de 2012

Ossos

Não sei explicar porque parei de comer. Há algo de nauseante nessa necessidade de alimento, na busca constante pela satisfação de um estômago inquieto, que faz com que eu resista à mastigação, à deglutição , à digestão. Sinto-me mais real ao perceber que agora consigo sentir que meus ossos começam a aparecer, rasgando-me a pele, enquanto minha barriga não cessa em seu apelo dolorido e constante, que enfim suplanta o aperto em meu coração. Comer seria ceder, desistir dessa nova pretensão de autoconhecimento. Sei que sou apenas esqueleto, carcaça consumida pelos abutres, uma estrutura vazia, conveniente, que serve de mero suporte de tempos em tempos, mas que enferruja cada vez mais. Em breve atirar-me-ei ao ferro velho. A ferrugem corrói-me os ossos, o cansaço circunda meus olhos. Mas sinto-me real. Minha birra infantil diz respeito a mim apenas, não envolve mais ninguém. Sorrio debilmente, finalmente algo que só diz respeito a mim. Porque eu tenho que pensar em mim mesma, e para consegui-lo, preciso primeiramente ser capaz de me sentir. Não sei mais aonde estou, me perdi. Saio à rua como uma criatura do submundo, a luz cega-me os olhos, o mínimo movimento me deixa sobressaltada, os sons artificiais e eletrônicos me agridem. Tudo me parece tão distante, tão irreal. Mas quando sinto meus ossos, sei que ao menos eu sou real. Olho-me no espelho após uma noite mal dormida e sorrio com satisfação. Meus olhos fundos, as pálpebras recaídas, as olheiras escuras, tudo isso reflete como sou no interior. Não uso mais uma máscara, e não quero ter que usar, não quero ter que respirar de maneira limitada, abafar minha angústia, esconder minhas lágrimas. Não quero mais viver em sociedade. Agora sou uma criatura do submundo.

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