terça-feira, 1 de maio de 2012
Estava ansiosa. Aquela ideia mal lhe ocorrera, e já foi às pressas ocupar-se de tirá-la da cabeça. Não queria terminar de pensá-la, não queria lidar com as implicações morais, tinha medo de executá-la. As pessoas diziam que não tinha nada de errado, que o certo era fazer o que a gente realmente queria, que era mais importante não magoar a si mesmo do que magoar terceiros. Entretanto, esse tipo de discurso lhe soava errado.
-Deixa eu tirar esse peso das suas costas. - a proposta veio desse jeito.
Ela sorriu triste.
-Eu já nasci corcunda.
Por vezes cansava-se de sua sobriedade, isso era certo. Contudo, o conflito entre a sobriedade e a embriaguez do dia anterior era sempre o mais cansativo de todos. O simples fato de ter acordado aliviada no dia seguinte fê-la sentir como se merecesse uma estrelinha dourada. A insanidade a chamava com uma voz arrastada, com a promessa sedutora de perigo. Mas sempre que via o estrago, quando alguma culpa era passível de lhe ser imputada, afogava-se em miséria. Precisava ainda daquela palmadinha no ombro, do afago no topo da cabeça - da aprovação de alguém.
-E porque você não tá feliz?
-Porque tem alguém que está?
-Não tem nada que põe felicidade no seu coração?
Ela deu de ombros, acanhada, desconfortável.
Não era por escolha própria que se sentia tão velha, tão alheia aos divertimentos comuns. "Ser jovem é uma construção", as vezes pensava com desprezo. "É um misto de ignorância, impaciência e temeridade que nunca me foram característicos". E isso era porque nunca fora uma pessoa leve, depois viria a descobrir. Desde sua primeira tomada de consciência relembravel, sabia que sentia o peso de existir, o peso de um coração que latejava; a intensidade intrínseca ao ato de puxar o ar do ambiente e fazê-lo completar todo o caminho até seus pulmões, para então soltá-lo de volta, e mesmo assim - com o peito esvaziado - não sentir leveza. Ou talvez fosse arrogância essa visão que tinha de si própria, apenas uma maneira que tinha para diferenciar-se dos demais, para saber-se superior. Isto é, se a superioridade estivesse intimamente relacionada com a infelicidade.
-As vezes eu sinto como se os adultos nunca amadurecessem sabe? Eles são crianças grandes, com a única diferença de que se cansaram de brincar, ou então estão muito assustados para se arriscar, porque já se machucaram muito no processo.
A outra acenou energicamente.
-Eu vejo isso também. Os adultos são cheios de cicatrizes. Conforme o tempo vai passando, mais cicatrizes vão surgindo. Eles mal conseguem fazer algumas coisas que seriam simples para uma criança e até para um adolescente porque dói de mais. A punição sempre vem, e o esforço não parece ser recompensado. Acho que é porque eles já descobriram que a liberdade sonhada não existe.
Não conseguia entender porque sentia dor com a perspectiva de se abrir, de ter uma conversa sincera com alguém novo. Mas já havia ouvido falar de uma explicação, embasada no condicionamento operante, no princípio da aprendizagem que era a punição.
Naquele momento, não conseguira pensar em sequer uma coisa que lhe trazia alegria.
Você que traz alegria pro meu coração, cara. Mas sabia que aquela pessoa não estaria sempre ali, o que consequentemente amargava sua felicidade.
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