segunda-feira, 12 de setembro de 2011

O Espanto

Ela estava apenas deitada ali na cama dele e, com a mente vazia, limitava-se a observar. Estava inerte, a cabeça repousando sobre o travesseiro e o corpo no colchão macio. Além disso, sua mente repousava inerte no assombro. Antes de ele ter entrado no quarto, ela estava num estado semi-adormecido, mas agora, embora não estivesse mais prestes a cair no sono, não parecia ter acordado. Sentia-se como em outra espécie de inconsciência, como se estivesse em transe. Apenas observando, examinou-o enquanto colocava suas roupas, peça a peça, e como ele parecia alheio a ela - ao que estava pensando, sentindo e em como encontrava-se mesmerizada naquele momento. Ele limitava-se a lançar olhares breves e relanceados na direção dos olhos dela, que retribuíam opacos, analíticos. Estava perplexa com a seriedade dele, que aumentava a cada peça de roupa que ele acrescentava - crescendo cada vez mais a cada botão da camisa que era abotoado, à medida em que dava o nó em sua gravata e, principalmente, a cada olhar vazio que era relanceado. Ela não fazia idéia do que possivelmente estava passando pela cabeça dele naquele momento, tampouco se atentou para o fato de que provavelmente a recíproca era verdadeira. Enquanto cada gesto dele (e também os gestos que se ausentaram: a falta de um sorriso, um beijo ou uma franzida de cenho sequer) era incompreensível e indecifrável para ela - que apenas observava com assombro - para ele, o silêncio dela também o era. Para ela, contudo, era desprovido de significado que não fosse o do simples deslumbramento com o outro. Já havia percebido que a cada dia que passava ele ficava mais bonito aos seus olhos. Ficava também mais distante, mas era difícil dividir as culpas por dois e saber de quem era a maior parcela. Talvez porque fosse uma operação matemática inexata; ela não sabia, nunca fora muito boa com a matemática - e nem com relações humanas. E à medida que a distância aumentava entre os dois (ele estava ali, bem ali na sua frente e, ao mesmo tempo, nunca esteve mais longe), ela percebia que naquele vão cabiam todas as coisas que desconhecia a respeito dele. Até tomar consciência de que era um abismo infinito - e que não o conhecia em absoluto.

Um comentário:

  1. Espanto é o quanto eu me identifico com este texto. Um assombro mesmo.

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