domingo, 31 de julho de 2011

Solidão & Silêncio

Sempre agarrada firmemente ao corrimão, nunca soube como se soltar. A segurança era agradável, enquanto sua vista se estremecia com um simples relance de uma queda livre.

Qual era o sentido de se atirar, e porque as pessoas faziam isso? A queda podia ser libertadora, mas compensava o impacto de atingir o chão duro e frio?

Mas mesmo assim sentia frio. O aperto firme que envolvia as grades cilíndricas começava a se afrouxar. Pra que segurar com tanto afinco? A esperança de que sua mente fosse preenchida apenas por vazio, que o vácuo adentrasse por seus ouvidos, boca e nariz e preenchesse sua cabeça com o nada a impelia a se soltar.

As vozes continuavam, vindas de todas as direções, gritos e sussurros, apelos, súplicas, réplicas, tréplicas. Havia se esquecido qual era o som do silêncio. A visão do abismo tornava-se ainda mais tentadora. Solidão & Silêncio.

Sabia ser impossível ser livre enquanto ainda estivesse presa. Contudo, seria a liberdade realmente desejável a medida que era necessário que fosse capaz de se atirar, sem ao menos pensar? Era, então, impossível ser livre enquanto ainda estivesse pensando.

Não percebeu quando o aperto afrouxou-se tanto de maneira a ser vencido pela gravidade. A sensação da queda era indescritível. Como não houve pensamento, não havia palavras. O coração não pulsava mais em sua gaiola torácica, pois a pulsação agora se dava em todos os lugares. A pulsação subjugara a corrente elétrica neuronal, os instintos venciam a mente.

Só que durou por apenas uma fração de segundo. Brevíssimo. O chão era concreto, duro e frio, de fato. De fato, a sensação passara e só sobravam os fatos. Havia também a dor. E essa não pulsava, pois era pontiaguda e profunda.

Juntar os cacos parecia impraticável. E qual seria o objetivo? Içar-se, patética e trêmula, para agarrar-se, assustada e retraída, à grade firme? A liberdade viria tentá-la novamente. Porém, a perspectiva de soltar-se novamente era terrível. Arriscar-se não valia a pena.

sábado, 23 de julho de 2011

Ah, que saudades de mim mesma! A nostalgia que sinto é por tempos em que era eu mesma sem pensar duas vezes, sem ser influenciada. Cercada de estranhos, sou conduzida a caminhos obscuros, envolvida em delírios de terceiros. Então anseio pelo retorno de uma capacidade de pensamento independente, de sentimentos puros - e vejo que só serei capaz de alcançá-los através do isolamento. Quando me bate a solidão, percebo que sou inábil por não conseguir suportá-la. Surge a necessidade do envolvimento com pessoas, volta a confusão. Quem é mais insuportável: a Solidão ou Eu?

Não ando gostando de mim ultimamente.

Que saudades de alguém que nunca fui!

Penso duas vezes e vejo que não tenho a quem culpar.

What a mess!

quinta-feira, 23 de junho de 2011

Vazio

Nunca pensou que fosse se colocar nessa posição. O que sempre soube de si mesma foi que enquanto sentisse subjetividade pulsando, seu sofrimento apertando, estava viva. Enquanto era mais alma do que corpo, ainda era ela mesma. Mas ultimamente parecia ter trocado de pele, adotado o cinismo e a esterilidade em suas relações sociais, pessoais, amorosas. Ao racionalizar as coisas ao extremo, podia ver com clareza. Era, contudo, incapaz de sentir.

quarta-feira, 22 de junho de 2011

In disponibilidade

Sei que tenho que te deixar sentir minha falta, mas não quero sentir sua falta no processo. Você, que agora caminha calmamente em minha direção, não sabe o que a ânsia desse reencontro desencadeou em mim.

Aparentemente, prefiro viver na incerteza e na inquietação. O sossego não só é inalcançável como também é indesejável. Sigo dançando os passos descompassados do nosso jazz de compasso quebrado, as quatro estações da calma sinfonia confundindo-se em somente um estado de espírito inconstante e alterado.

Prefiro? A preferência infere a existência de uma escolha, e creio que esse não é bem o caso - pois se trata mais de uma condição.

A indisponibilidade tende a atrair àqueles que não gostam de se colocar à disposição.

Você não tem que ficar sozinho. Mas você quer ficar sozinho.
-É que às vezes eu me sinto triste sem motivo.

-Talvez você tenha muitos motivos e não sabe qual te afeta mais no momento.

-Sei que as coisas não costumam me afetar quando eu estou com as pessoas que eu gosto. Eu me sinto feliz. Mas quando eu fico sozinha, eu fico triste... Também não gosto de me sentir sozinha, apesar de ter consciência de minha solitude... O problema é quando eu a sinto.

-Mas você sabe o que você pode fazer quando você estiver se sentindo sozinha?

-O que? Imagino que nada...

-Você pode me falar.

-Hm.

-Você me fala quando você estiver se sentindo sozinha, aí eu saio com você e nós não vamos mais estar sozinhas e tristes.

domingo, 12 de junho de 2011

Feliz dia dos namorados!/Paradoxo

Ela viajava no movimento mini-ciclônico da xícara de café dele. Sobressaltou-se com o tilintar da colher no pratinho.

-Tudo bem, eu consigo lidar com essas coisas tranquilamente. Não estou mandando presente pra mim mesmo - ele soava, de fato, tranquilo e indiferente, enquanto bebericava seu café, que não era, de fato, café, mas sim chai latte.

Ela deu de ombros.

-Vou soar como se me importasse, mas eu realmente sou indiferente.

Ele franziu o cenho.

-Não sei... Sei lá. - suspirou e deu uma golada no chai que tinha gosto de café. - Eu sinto falta. De ter alguém, sabe.

Ela observava os passantes, em particular duas meninas com trajes de festa junina. Analisou as peças de roupa com particular interesse, e depois voltou-se para ele.

-Meio paradoxal hein? - comentou com um sorrisinho. - Sentir falta de algo que você nunca teve.

Ele deu de ombros e esboçou um sorriso.

-Eu só acho que seria bom.

E quando a xícara de chai e o assunto se esgotaram, eles se levantaram. Ela tomou o braço dele para si ao sentir o vento frio e foram em direção ao carro.

-Feliz dia dos namorados! - disse a garçonete, de dentro da cafeteria.

Eles se entreolharam e começaram a gargalhar. Ao fecharem as portas do carro, continuavam rindo.

Tinham um ao outro, embora não inteiramente. Havia uma certa limitação naquele relacionamento. Ela era quem estava, de fato, tranquila, embora fosse apenas momentaneamente - compreendia muito bem como era aquele vazio que o consumia por dentro. Lembrou-se do movimento minimamente ciclônico. Também era capaz de compreendê-lo - era capaz de senti-lo.

Entendia melhor de paradoxos do que hipérboles, oxímoros, metonímias. Seu riso, inclusive, fora paradoxal. Seu choro, aliás, também o era. Lembrou-se do dia em que chorou por ser incapaz de traduzir em gestos aquilo que compreendia com o coração.

Conhecer

E por vezes me pergunto o que há em mim e que te sustenta. Você, que conhece tantos lugares e pessoas e que decidiu fazer uma parada na mesma estação que eu, pequena, ignorante aos fatos e lugares. Você de multidões, tão alto e maior, enquanto eu em meu canto fico absorta em introspecção, sem saber de nada. Eu que nunca vi metade do que você viu, conheci de ti, medos e segredos, confissões entrecortadas por suspiros e úmidas de lágrimas que nunca chegaram a tomar forma. E então vejo onde estamos em sintonia; não quando faço o que você faz, mas quando sinto o que sente, quando através de minhas palavras e de minhas mãos te ofereço conforto, algo que você desconhecia. Encontramo-nos então do mesmo tamanho, apesar de não saber do que você sabe - conheci o que até então lhe era desconhecido, pois agora sei de ti.