Ela viajava no movimento mini-ciclônico da xícara de café dele. Sobressaltou-se com o tilintar da colher no pratinho.
-Tudo bem, eu consigo lidar com essas coisas tranquilamente. Não estou mandando presente pra mim mesmo - ele soava, de fato, tranquilo e indiferente, enquanto bebericava seu café, que não era, de fato, café, mas sim chai latte.
Ela deu de ombros.
-Vou soar como se me importasse, mas eu realmente sou indiferente.
Ele franziu o cenho.
-Não sei... Sei lá. - suspirou e deu uma golada no chai que tinha gosto de café. - Eu sinto falta. De ter alguém, sabe.
Ela observava os passantes, em particular duas meninas com trajes de festa junina. Analisou as peças de roupa com particular interesse, e depois voltou-se para ele.
-Meio paradoxal hein? - comentou com um sorrisinho. - Sentir falta de algo que você nunca teve.
Ele deu de ombros e esboçou um sorriso.
-Eu só acho que seria bom.
E quando a xícara de chai e o assunto se esgotaram, eles se levantaram. Ela tomou o braço dele para si ao sentir o vento frio e foram em direção ao carro.
-Feliz dia dos namorados! - disse a garçonete, de dentro da cafeteria.
Eles se entreolharam e começaram a gargalhar. Ao fecharem as portas do carro, continuavam rindo.
Tinham um ao outro, embora não inteiramente. Havia uma certa limitação naquele relacionamento. Ela era quem estava, de fato, tranquila, embora fosse apenas momentaneamente - compreendia muito bem como era aquele vazio que o consumia por dentro. Lembrou-se do movimento minimamente ciclônico. Também era capaz de compreendê-lo - era capaz de senti-lo.
Entendia melhor de paradoxos do que hipérboles, oxímoros, metonímias. Seu riso, inclusive, fora paradoxal. Seu choro, aliás, também o era. Lembrou-se do dia em que chorou por ser incapaz de traduzir em gestos aquilo que compreendia com o coração.
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