Eu não te perdoei. Eu nunca
vou te perdoar e você sabe disso melhor do que eu, não é? Você sente meu olhar
vazio quando eu te vejo. Você não vê espaço para me preencher de novo de amor.
Amor que já transbordou por você. Você, perfeição, paciência, lar. Eu quis
tanto redescobrir isso em nós. Só consegui sorrir de novo na sua presença
quando percebi que era uma ideia vã. Eu fingi que te perdoei só para ser melhor
que você, dando continuidade ao nosso infindável ciclo de decepções. Ao nosso
jogo de intenções veladas. Tento compreender o que nos atrai de maneira tão
irrefutável. Se me tornas pior ou melhor, se é esse o efeito que causo em ti –
se é que somos simétricas. Se é que desferi golpes tão cruéis e sutis em ti, e foste contra-ataque.
Desço de meu terreno elevado de moral e ajoelho-me perante a ti. Sou uma farsa.
Se o faço é porque ainda quero te derrotar, sendo melhor do que foste comigo.
Ou quero me destruir? Mas sou grata. Você me ensinou, melhor do que ninguém,
que o caminho que devo trilhar é solitário. Que a compreensão é meramente
momentânea, fica na beira da estrada, separa-se de nós nas bifurcações, nas curvas dos rios, nos penhascos vertiginosos. Fica nos abraços que partimos, no banco do passageiro da carona que pegamos. Quero
elevar-me apenas para ser maior que você. Que tipo de elevação poderia vir de
projeto tão vaidoso? Mas me ensina uma vez mais a saborear de tudo aquilo que é
amargo, tudo aquilo que não flui naturalmente pela minha garganta. Você me faz
insistir. Minha redenção encontra-se justamente na promessa de que serei um dia
capaz de perdoar. Libertar-me no perdão. De todas as expectativas que fui capaz
de depositar em você, sem que me atentasse ao que em ti desconheço. Tudo o que
você recusou a partilhar. Me força a te respeitar. A te admirar dessa distância
imposta entre nós – que um dia cri inexistente. A sentir o solo instável quando
me coloco acima de ti, de outrem. Eu não preciso te perdoar. Eu preciso
esquecer tudo aquilo que eu já pensei que era meu e teu. Quem eu achava que era
você. Não há como estancar a ferida, pois que teria que me iludir novamente.
Amplio-a para abarcar todas as decepções que eu sei que você ainda é capaz de
cometer. Não por maldade, nunca por maldade. Talvez por ser você, assim, tão
diferente de mim. Por participar do jogo que inventamos. Por estar presa na
mesma teia que eu – por dividir protagonismo que eu queria só para mim. Eu não
consigo me perdoar, por essa autoimagem casta, limpa, incorruptível que inevitavelmente faço de mim. Usávamos espelhos quebrados, você sabe disso? Talvez
você até fosse reflexo de um dos meus eus dilacerados. Que não foram capazes de te enxergar, para
além de mim.
Reviro-me toda perante a ti e vejo que não há a necessidade de perdoar. Há indícios irrefutáveis... o que nos liga... talvez só você seja capaz de me compreender.
(É recíproco, não é?)
Reviro-me toda perante a ti e vejo que não há a necessidade de perdoar. Há indícios irrefutáveis... o que nos liga... talvez só você seja capaz de me compreender.
(É recíproco, não é?)