domingo, 14 de julho de 2013

Encara a capa do livro. Comprime seus olhos tentando estancar as lágrimas. Mentira. Quisera ser capaz de fabricá-las. Mantém-se distante tentando segurar uma dor fantasma, que não mais sente. O que já fora plácido branco agora é encardido. Tentara limpar aquela capa inúmeras vezes, quisera mais do que tudo no mundo restaurá-la. Só conseguia pensar na dedicatória cravada em nanquim na folha de rosto. O esboço do esforço. As promessas e desculpas vãs. Devia tirar todos aqueles livros velhos da estante se quisesse arrancar aquela página de sua vida. Mas eram tantas páginas doloridas que teria de arrancar de modo a limpar todo aquele ranço! Ficaria apenas o vazio. O vazio de todas as relações que não sobreviveram ao conflito entre individualidades. “Somos tão bobos”, pensa com amargor. Não ousava mais acreditar no conforto encontrado em outrem. De súbito, toma o livro velho em suas mãos e abre a página da dedicatória. Oito anos atrás.

Só posso prometer não fazer promessas.

Bom começo: isentar-se de toda e qualquer culpa. Ninguém seria responsável senão por seus próprios nariz e umbigo. Riu pelo nariz e sentiu o rancor repuxando suas vias aéreas como se fosse um gancho. Havia bradado tão ferozmente “me deixem em paz”, quando ainda em busca de sua própria liberdade, que a ironia de sua própria ingenuidade era como fumaça. Sufocava. O pior era sempre conseguir o que se quer e perceber como não havia significado profundo algum naquilo. Era livre. Não derramava uma lágrima sequer ao ler aquela dedicatória, não sentia raiva, tristeza, saudades. Não sentia nada. Livre de obrigações para com os outros, livre de qualquer culpa. Foi-se embora com seus próprios pés, era decisão sua e foi respeitada. Ninguém tinha o direito de intervir na vida dos outros. Por isso sua ingenuidade de há oito anos era fumaça, havia sido dissipada por completo. “Ser livre é ser sozinho?”, indagava ainda com certa incredulidade, ainda com incrédula certeza. Ser livre é ser sozinho. Nem os anos que se passaram tinham o poder de pesar em seu espírito. Pai, mãe, irmão, amigos... O que eram as pessoas senão instrumentos?

Não acredito nisso. Você está distorcendo minhas palavras.

Claro que também não acreditava naquilo. Bem, claro que acreditava. Quisera não pensar daquela maneira, mas foi-se encaminhando para essa conclusão cada vez mais. Olhava friamente nos olhos do outro. “Então me amas? Não sei mais o que isso significa”. Será que era porque nunca havia amado? Não, não amara ninguém. Tão somente porque elevara o amor a status tão nobre e puro que jamais seria capaz de senti-lo. E jamais seria capaz de acreditar que outro ser humano conseguisse ser tão puro e tão nobre.

Ah, as coisas como são.

Moveu-se após meia hora de imobilismo letárgico. Abriu a janela e acendeu um cigarro. Fumava demais, bebia demais. Era incapaz de controlar seus excessos. Mas porque fazia o que queria. Não tinha obrigação de se controlar, por ordem de alguém, por crença em algo, por amor – sacrifício, abnegação, elevação espiritual. Quem ainda levava esse tipo de coisa a sério? Terminou seu cigarro e apagou-o na capa do livro. “Você não significa nada”. Atirou-o pela janela. Se ao menos tivesse coragem de atirar-se... aí sim que aquele ciclo infindável e inescapável teria um fim.

Porque tudo o que te faz mal é fruto de tua própria paranoia.

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