quinta-feira, 28 de julho de 2016



Você já leu “A insustentável leveza do ser”? É que tem uma parte sobre isso, sobre nossa vida ser só um rascunho que não vai dar pra passar a limpo. Que mais? Só isso, que eu me lembre. Não me lembro muito, talvez eu esteja inventando. É, eu vivo através desses livros mesmo, e depois que eu termino não consigo nem lembrar direito sobre o que eles falavam. Talvez eu invente. Sabe o que? Também não sei o que é o amor na vida real, mas se você quiser posso te mostrar um trecho do Cortázar sobre isso. Ou Hilda Hilst sobre o desejo. Ah, mas esse desejo eu sei bem como é. Já gozei por causa de um poema dela, foi melhor que muito sexo. Não é querendo ser pedante não. E você acha isso mesmo da vida? Não tem cultura, só instinto animal? Parece que eu sou o contrário, não tenho mais instinto nenhum; saiu numa sangria de corte de página de livro. É, aqueles bem chatinhos que são finos e ardem para cacete. Quando eu vi só sobrava referência em mim, e de eu o que ficou? Não sei. Mas pra quem eu to falando, se você não tá escutando? Sabe qual foi a pior coisa da minha bad trip de ácido? Eu achava que eu ia ficar presa na minha cabeça pra sempre. Já é tão difícil que eu queira e consiga sair, fico só olhando as pessoas, inerte, aparvalhada, me recusando a agir. Talvez por isso que eu goste do encontro das águas com o céu no horizonte, é estável, não importa de onde você esteja observando. Sempre 180 graus, sempre intransponível, inalcançável. Que papo chato né? Lembrar que já tive com quem estudar a composição do horizonte acreditando ser poeta me deixa um pouco triste. Acho que eu fico nessa só tentando encontrar as justificativas pra não me mover. Sim, você tem razão, se mover é um instinto também. Quando sentimos fome, procuramos comida. É mesmo? Quando a gente tá sozinho a gente procura alguém e fode? Nossa, pra mim é o contrário. Eu me sinto ainda mais sozinha. Acho que por isso que eu não trepo mais. Sério que as pessoas se sentem menos sozinhas porque elas trepam? Bem, não tô julgando não, eu até já fui assim. Trepava muito, até. Quer dizer, de repente nem era tanto, mas hoje em dia até parece que foi. O bom é que não dava nem tempo pra pensar. Mas e se eu te disser que eu nunca gozei do jeito que eu gozei praquele poema? Vai ver eu sou mesmo é assexuada. Não tô criticando de jeito nenhum quem é obcecado por sexo, longe de mim. Todo mundo é um pouco (ou muito). Acho que eu tenho é um problema com expectativas. Nunca broxei tão fácil quanto quando me disseram que queriam me ver gozar. Aí pronto, já era. Fiquei consciente na mesma hora que ia ter que gozar pra agradar outra pessoa e não a mim mesma. Que coisa doida, né, eu sei. Egomaníaca. Me sinto pressionada e não consigo fazer nada direito quando parece que alguém espera alguma coisa de mim. Nem isso. Mas gozar não é fácil não, você deve estar falando essas coisas aí sobre foder desse jeito porque é homem. Não, claro que tem mulher que faz sexo casual, pelo amor de deus, não foi isso que eu disse. Existe um número infinitamente maior dessas mulheres do que homens que sabem fazer uma mulher gozar, infelizmente. Sim, é lamentável. Todo mundo tem que trepar quando quer, com certeza. Mas vai dizer que a gente não tem que querer o tempo todo? Porque? Hoje em dia se vende um tipo de liberdade sexual que faz as mulheres fingirem que tão gostando de qualquer merda que vocês aprendem em filme pornô que nem de longe faz uma mulher sentir prazer. Vai começar a tirar onda que você sabe chupar uma mina como ninguém, é? Às vezes vocês parecem o mesmo disco arranhado. Melhor voltar pra dentro da minha cabeça.


Terra arrasada. Não há um ser humano à vista. Rebusco involuntariamente. Busco refúgio. Monto sinal de fogo na superfície insólita. Não encontro as palavras, somente comandos burocráticos. Mas é que ele não me deixa terminar uma só frase! Sinto o hálito de sangue escapando pelas frestas do sorriso branco. Sinto as garras pontiagudas disfarçadas no abraço amigo. Eles não percebem que a leveza que exigem me é impossível? É um mundo tingido de cinza por Xanax. 
     
          Ouvindo Shire, tive que me atear em fogo quando vi que os homens se aproximavam.

quarta-feira, 27 de julho de 2016

Sim, eu desisti.
por querer só a poesia
dos diálogos mudos pois
é proibido conversar aqui.
Há todo um abismo que
tua boca cria e eu
olhando solitária espero
que não me notes ainda
me anotando clinicamente.
Tu te moves? eu faço que nada.
Compenetrada, impenetrável,
faz muito tempo que eu não trago
nada além de um cigarro.


quinta-feira, 23 de junho de 2016

naquele inverno
quando era adeus
você disse até mais

você tem comido direito?
você tem tomado remédio?

não olho pra trás:
vislumbrei o inferno
que é feito de gelo
e habita seu peito

eu nunca achei que você ia me coroar de flores,
eu precisava de um lugar
pra repousar minha cabeça.

terça-feira, 19 de abril de 2016

Café

Café
Fê cá
De fe cá
Escrever qualquer coisa
Qualquer qualquer qualquer alguma
socorro é constipação no cérebro
tem laxante pra isso?
Encontrei você de novo.
Vamo lá, fala alguma coisa
Você não sabe mais falar?
Não sabe mais escrever
Não confia nas palavras
Odeia as palavras
Todas elas ou só as suas?
Dizem que tem que chorar
Torrencialmente
E o fluxo de palavras vai acompanhar
Cadê café cadê a fé cadê o papel higiênico
Fumar cafezar olhar pro nada
Incomodar um estranho por causa de um carregador de celular
Só pra não escrever mais um pouco
Pra me decepcionar e me martirizar
Você não é mártir coisa nenhuma!
Eu sei que não
Esse é o problema
Quando eu acreditava que eu era ALGUMA COISA
Tudo fluía.
Será?
Ser-nada.
Serenar
Trabalhar
pra ter como pagar a conta do bar
Mas eu fico tão cansada, nem quero mais ir pro bar
Caralho o cara foi até o carro dele buscar um carregador pra mim
Espero que ele não espere nada
um homem fazendo um ato desinteressado?
Não me culpe por achar que isso não existe
NUNCA VI.
é tão difícil perceber todas as vezes que a gente já foi abusada
mas era tudo em nome do amor
pro Homem nos amar
porque essa é nossa função
Isso não é um poema
Isso foi um ato
o de depois do café
o de não ficar
e de fecar

Era mais fácil quando eu sabia escrever em prosa. Aí veio essa mania de poeta e eu fico metida a escrever uns versos. Que nem rimam. Que nem são interessantes. Que nem eu.
Fragmentada.
Será que eu já soube quem eu sou? Que crise banal. Mas isso é tudo. Como pode um ego tão de proporções titânicas cheio de autoflagelação, insegurança e irritação? Por isso que não tem Deus. Deus ia deixar esse tipo de coisa, por acaso?
A ser mulherana. Que coisa feia isso de ficar inventando palavra pra poder se sentir gente, né? Dia desses escrevi que eu era Membra de um conselho editorial. Não deixaram. Não pode ser membra, fere a norma culta. A norma dos homens humanos com AGÁ.
Um homem me emprestou o carregador dele. Não tô dizendo que ele tá aqui na biblioteca achando que vai rolar alguma coisa nem nada sabe. Mas pra que ser legal assim? Não faz sentido não. Mas e aí, eu só vou falar com mulher agora?
Eu bem que queria às vezes.
Nem é, eu tenho amigos homens, eu gosto de alguns deles.
Mas eles podiam não ser tão AGÁ às vezes, sabe?
Será que falar comigo mesma adianta de alguma coisa?
Sei lá, eu nunca me respondo. Eu fico me perguntando e me procurando mas não tem nada ali. Nadarrrrrr. Eu fico procurando nas outras pessoas mas eu acho que ninguém me aguenta. Pode ser tão insegura assim?
Ela me falou pra pensar o que é amor pra mim. Eu sei lá. Acho que eu nem acredito nessas coisas. Mas como pode não acreditar e ao mesmo tempo querer pra mim?
Buscando eu não tô. Queria mais é que caísse no meu colo. Terceira página. E nada de capítulo da dissertação. Na-da. Mais café? Mais coco? Acho que é porque eu to menstruada. Eu não quis falar na natação hoje porque eu não queria ser fraca. Nada a ver. É o contrário. A gente sente uma cólica danada e segue com a vida. Mas a vida podia pegar leve às vezes né? Mas que mania de ficar falando mal da pobre vida. Ela dá muita coisa e a gente só sabe cobrar mais.
Por isso minha obsessão com os cães. Cães na praia. Correndo pras ondas, depois fugindo delas e repetindo isso inúmeras vezes. Pra eles isso é brincadeira. É sem nenhum custo, sem sofrimento. Parece ser.
E se eu só parar agora?
Eu vejo a cara que eles fazem quando veem que eu tenho pelo no sovaco.
Mas eu não ligo; ligo um pouco.

Seria bem mais fácil só raspar

terça-feira, 3 de novembro de 2015

Insoníaca

Nor was I hungry; so I found
That hunger was a way
Of persons outside windows,
The entering takes away.
Emily Dickinson 


Pensando três, quatro, cinco vezes antes de falar pra alguém alguma coisa. Tentando engolir no processo. Não é possível que ninguém entenda. Somos todos feitos da mesma matéria, da mesma mediocridade cotidiana. E da mesma mesquinhez. Não é que eles não entendam, é só que não se importam. Ou se importam, mas não querem sentir. Querem que você sorria, deixe de lado. Volte a ser feliz, vamos lá, só sorria, daqui a pouco você consegue acreditar que é de verdade. Preciso do meu amigo imaginário de volta. Mas como, sequer me resta alguma imaginação. Passo o dia todo do lado do telefone. Cansei de revisitar memórias vazias. Espero por algo. Observo a luz intermitente no escuro. Parece um farol. Agora falta a maresia. Agora falta a brisa noturna. O reflexo incessante daquela luzinha pode ser uma estrela. O barulho dos carros pode ser as ondas do mar. Praia eterna dentro de mim. Não preciso deixar meu quarto. Não preciso fechar os olhos. Não precisas escutar. Impaciente, observo. Aguardo. Os ruídos mínimos - conforto noturno. 

terça-feira, 20 de outubro de 2015

Elegia

não é verdade
se te disserem
minha elegia ser
mais vaidade
do que homenagem

(Hilda Hilst, Balada do Festival)

Mil nomes te darei,
ousando cantá-los após a despedida
e tua a recusa em partir será
minha incorpórea redenção.

Reavivo a chama luzidia da vela
derretida com devaneio inférteis,
alimentada pela mórbida dúvida.
Se ousasse chamar teu nome
tua cabeça sequer se ergueria?
ou teus pés há muito descalços
reconhecem que meus lábios turvos
clamam apenas pela tua Fuga?

Se nisso que não há nome só há partidas,
sequer nomearei aqueles que não são,
buscando a ti no que nunca houve
ou se perdeu na ideação,
costurando o impronunciável
na promessa feita de nós.