sexta-feira, 17 de abril de 2015

Tudo que sabia fazer era citar, citar, citar. Não podia mais sentir, sentir, sentir. Conseguira até hoje muito bem sentir sem compreender – mas o tanto de estrago que já havia causado por causa disso! Se bem que o problema não fora sentir sem compreender (as pessoas pareciam incapazes de compreender o que nunca haviam sentido), não conseguira sentir sem exasperar, sensibilizar-se na ponta dos dedos. Conseguia seguir sem entender. Vive-se ainda que não se entenda, e quem foi o infeliz que primeiro afirmou que ter sensibilidade não é a mesma coisa que ter razão? Mas sentimento todos têm, sensibilidade nem não! Metodologia: tentativa e erro. Two wrongs don’t make a right, but maybe three, maybe four, maybe five... Te escrevo mais uma vez para aplacar minha inquietude, te escrevo agora que não mais me queres e sou livre! Livre para te idear como bem queira, agora que não posso mais conhece-lo. Mas você é compreensivo, você sente, você compreende, você tenta... e você acerta. Agora que não quer mais tentar. Tento desenhar teu rosto em minha mente com os poucos resquícios que deixou, teus hábitos de antigamente que adotei para mim, teu cigarro de palha, tua espera solitária. Você me recusa gentilmente – recusa doce, sutil, suave. Me é possível esboçar teu sorriso complacente, teu sorriso de quem não pode mais, de quem não quer... de quem solamente entende.

quarta-feira, 15 de abril de 2015

Esbocei chamar teu nome. Não soube qual alfabeto utilizar. Desenhei o contorno do teu rosto com as cinzas de um cigarro. Possuía uma estranha serenidade. Reconhecimento inexprimível – a sensação familiar que tive rememorando ver-te pela primeira vez. Enchem-se de água minhas retinas, marulhas minh’alma e ainda assim minhas pupilas seguem ressecadas. Ouço alguém que passa na rua a assobiar uma velha canção, uma canção que poderia ser a mesma usada por meu pai usava para me ninar. Abro a boca mais uma vez. É que o nome está na ponta da língua, mas não pode ser exprimido. É aquilo que foi dito inconscientemente quando eu estava de carona em sua bicicleta – mas não me lembro se era verão ou inverno. Você fazia um esforço tremendo e eu só te observava. Você olhava pra frente. Fizera menção de te beijar quando paramos no sinal e, quando você reparou, voltou a pedalar novamente.
Penso em quantas casas já tive ao redor do mundo e em como a nenhuma delas realmente pertenci. Você acende outro cigarro enquanto eu termino mais uma garrafa de cerveja. Solto um arroto involuntário e, antes que perceba, sorrio com naturalidade. Você me olha com ternura, parecendo se conter para não dizer novamente “sos muy linda”. Eu fecharia a cara instantaneamente e te repreenderia por seus cumplidos baratos.
-You drink like a russian boy. – você diz simplesmente, após um trago demorado em seu décimo cigarro.
-Por qué hablas conmigo en inglês?, yo demando.
Me confundo com aquele idioma. Que língua deveria falar? Olho para tuas íris furta-cor, não sei mais se és preto opaco ou límpido azul. Faço com meus dedos o contorno do teu rosto, a bituca do cigarro já apagada – triangular, redondo? –não obtenho forma alguma. Wo bist du? Was suchst du? Was willst du?
Eu quero te tocar, mas não sei quem é você, quando faço menção de te abraçar e você se afasta. O nome que devo chamar me escapa novamente. Não sei em que língua devo falar, não sei onde posso te encontrar. Meus amantes se mesclam em minha mente inquieta. Delirium tremens!, já não sei mais qual era aquele líquido que sorvia de tua boca entreaberta, essa fumaça que tragava de seus lábios pálidos. Quer dizer, eu quero te dizer, eu quero te dizer... Eu quero-te, sem ter que dizer mais nada, sem ter que me explicar. Há maneiras de tê-lo, sem saber quem é você?
Eu quero tocar o mundo. Eu não quero mais estar sozinha. É esse o preço a se pagar?
Só não vá se perder por aí...

sábado, 28 de março de 2015

Uma viagem

Parece que se eu não escrever eu vou implodir. É tanta coisa passada que não passou, que ainda pesa do mesmo jeito. Mas eu queria escrever alguma coisa bonita, queria fazer nascer flores desse chorume ao extrair poesia dos infortúnios... Se não for possível, qual o sentido? É tanta dor que eu não sei nem separar, sentir que também houve felicidade. Preciso ficar longe das pessoas. Preciso parar de lembrar como se nenhum tempo tivesse transcorrido... E quiçá a dinâmica histórica possa mover alguns moinhos. Possa enfraquecer esses eventos dissolvendo-os na longa duração. Será que se eu fosse mais velha doeria menos?

É uma noite daquelas. Tudo lateja, tudo pulsa. Dor fantasma se alastrando por todo o corpo das minhas relações amputadas. Lembro de tudo com limpidez escorregadia. Dói-me aquele baque inicial como se fosse o primeiro golpe, como se eu toda me doesse desde o parto. O rompimento primordial que se multiplica, que se intensifica. Tudo é cicatriz. Mas nem isso. É ferida que se recusa a repousar, pus latejante, sangue escuro que escorre sem cessar. Sou ferida que não fecha – e quando parece que fechou em definitivo, reabre. Até o sorriso forjo parece o mais verdadeiro, mas me machuca profundamente. Quando me recolho em minha solidão sei que sou uma farsa. Minha vida toda se encadeia em acontecimentos imediatos de causa e efeito, um emaranhado de malsucedidos. Organizo com cronologia, teleologia... arritmia. Minha memória é perfeita, inalterável. Como Funes? Funes!, sonhar é abstrair-se do mundo. Não posso mais almejar a coisas imperfeitas. Então nego o desejo. Abraço meus joelhos e urro enquanto sinto todo o resto do meu corpo ser arrancado de mim. Os anjos de olhos negros ondulando ao meu redor zombam de mim.

Volto-me para observar enquanto Joaquim dorme um sono que parece impenetrável. “Até que ele se junte a dança quebrada dos anjos macabros...” penso conformada. Contudo, ele descerra os olhos e me encara com um verde pântano vazio. Enveredo-me nele e desfaço-me no mesmo instante. Ele estaria inquisitivo se não estivesse tão exausto, e suas pálpebras cobrem seus olhos novamente. Encerra-se o breve momento de compreensão entre nós. Estou só novamente andando descalça pelo cimento, sentindo os infinitesimais grãos de poeira entre meus dedos. Danço sozinha, uma vez que os vultos se dissolveram. Estou mais calma. Respiro com leveza. Toco a ponta dos fios de cabelo dele com a ponta de meus dedos, num toque quase diáfano. Não quero incomodá-lo, e me pego observando seu sono imperturbável através das horas. Estar com um estranho em um lugar desconhecido – que horror – que alívio. Lembro-me do verso de Hilda: O incompossível se fazendo ordem. Não sei se sussurro ou se apenas penso nisso com veemência. Não sinto mais nada ao focar-me naquele ser incógnito e maravilhoso e, portanto, quase mítico. Penso em todas as maneiras que posso ficcionalizá-lo em mim. Não, não sou como Funes, eu diria àquele que outrora já fizera tal infeliz comparação. Seria minha dor inventada? E se fui eu quem a criei, posso desfazê-la num simples estalar de dedos? Não depende de mim. Depende da leveza do sono de Joaquim, da opacidade de suas orbes de musgo. Ele é meu arquétipo, meu receptáculo perfeito. Ao menos enquanto repousa inerte, quase completamente imóvel. Até quando se mexe bruscamente, fazendo ruídos sonoros e imperfeitos. Permaneço acordada pelo resto da noite a observar, quase em transe. Assim escapo dos sonhos ruins, encontrando repouso na exaustão.

domingo, 16 de novembro de 2014

Epístola esquecida

Àquele que não mais me lê: todos os dias em que foste consumido pela ânsia de que para ti eu escrevesse, agora revertem-se em minha espera tímida. Pouco pretensiosa, envergonhada de si mesma. Assim como eu mesma me encontro. Tendo minhas investidas esparsas rejeitadas. Compreensivelmente. Sei que eu mesma já escrevi alertando-o para meu próprio perigo, meu desespero. Pedi para que se afastasse, e é como se me acatasse obedientemente. Exceto que não há mais parte alguma de ti que aja com expectativas com relação a mim. És indiferença, ou és cicatriz?
Agora escrevo para ti, mas não possuo palavras. Não como as tuas. Venceste no próprio ofício ao qual te apresentei. Desci do pedestal no qual nunca quis ser colocada e agora não sei mais onde me encontro. Meu apelo nem sequer tem confirmação de recebimento, tampouco recebe alguma resposta. É faísca parca. Um sorrigo amargo. Um café ralo que tomo junto com um cigarro de palha, do lado de fora da mesma biblioteca onde você costumava ficar. Mas você não volta. Compreendo, resignada.
Não possuo entendimento do que sinto, como também não compreendia o que se passava há mais de um ano. Iniciei esse flerte insensato e, emburrada, decidi: não quero mais brincar. Não sei rebuscar como sabes, como também não soube te amar. Persisto criança mimada que se recusa a aprender, e nem ao menos consigo te enganar. Se é que conheço bem meus artifícios, não sei em que medida me utilizei deles para te encantar. Se é que te quis, não quis que pudesses me enxergar. E continuo falando de mim incessantemente, como se ainda hoje não coubesse a ti qualquer poder de escolha.
Peço que desculpe ao menos esse texto fajuto, não consigo mais usar as palavras como antes. E sei que minhas tentativas de redenção são todas quebradas e voláteis, nuvens de éter no ar.

domingo, 28 de setembro de 2014

Tenho dias de horas púrpuras
anis
turvas.
Tenho dúvidas acerca da relatividade
do magnetismo
do atrito.
Também de mim e de ti,
mas é que a curva da parábola
hiperbólica, convergente
de nós dois
que gera atritomagnéticorelativo
- combustão –
dá pane em minhas sinapses nervosas,
por demasiado nervosas.
Irrequietas, irreflexivas, incongruentes.
Tenho silêncio e paz em mim,
e também o caos.
Mas quando tenho a ti, tenho tudo
tudo aquilo e mais um pouco
que beira ao Nada.
O que de mim te concerne,
e que penetras:
É superfície.
Tenho horas em universos alternativos,
em que sou singela,
apenas vazio escuro e oquidão.
Tenho segundos afetivos,
num microcosmo que é clarão.
É que se te difamo, pois!
só por ti tenho afeição.

segunda-feira, 4 de agosto de 2014

Uma quadra sem métrica

Minha poesia
Se insere entre dois pólos
É beleza, é dor
Mas nada de alegria

Uma quadra ao gosto popular

"Tenho um relógio parado
Por onde sempre me guio.
O relógio é emprestado
E tem as horas a fio. "

Fernando Pessoa

Life seemed less ordinary. Like I was made for love. And you were me becoming the myself I was meant to be.

E se eu te disser que nosso pior inimigo é o tempo, e não a distância? O tempo que flui tão naturalmente quando estou contigo, mas que esvai-se sorrateiro. Como uma ampulheta de areia. Que se arrasta dolorosamente quando estamos afastados. O tempo incomensurável que ainda nos resta para o resto de nossas vidas. Eu sei que não é como se você quisesse casar comigo. É que eu quero casar com você, quer dizer, eu casaria com você agora... Porque você é o amor pra mim, "amor que foi feito pra dar, mas que ninguém deu pra você". Você é a personificação disso, não como uma projeção bizarra ou uma distorção que eu faço pra que você se adeque a mim, digo acertado. Você foi infinite joy e blind understanding, e agora é um choro que não pode ser contido. É aquela vez, a que eu me sinto mais triste do que nunca antes, e que eu acho que vou morrer de tristeza. E eu me levanto. Porque me parece um desperdício não espremer tudo de mim pra te aproveitar. E você acha que eu não tento? Mas você é o meu primeiro amor, deveria também ser o ultimo? E essa nossa dinâmica distorce as nossas expectativas, que poderiam ser leves como a brisa marítima que toca nossas faces agora, suave como o ruido das ondas do mar. Só que acaba sendo a big bad monster. Meu amor é essa praia perpétua, é esse sossego que brota do seu peito e de suas mãos. Mas o tempo é inenarrável, irreflexivo, desempedido - vai a sua própria maneira, com velocidade relativa: quando quero que ele pare, ele acelera. Nos caberia usar um relógio parado? Mas eu escolheria o pôr-do-sol; você, o nascer do dia. Não sei se por questão de gosto ou só pra me contrariar, tentando fazer com que eu te siga. Indefinidamente. Eu vou atrás, mas com passos curtos e relutantes. You always said we'd meet in the middle. Só que você não me escuta. Eu sei que eu falo baixinho, mas você não olha pra trás.