domingo, 9 de março de 2014

Revisitando Pandora

08/2013

Sempre fui menina muito admirada com o fantástico. Qualquer universo que não fosse o que estava imediatamente à frente de meus olhos me era maravilhoso e interessante. Talvez porque não conseguisse fazer das crianças que corriam à minha frente amigos, sempre velozes à minha frente. E eu sempre tive o passo tranquilo, até meio lesado. Vagarosamente processando informações, isto é, quando era capaz de processá-las. Aquele mundo humano não me era inteligível. Então recorria às fabulas. Este meu prelúdio que alude a uma infância tímida e fantasiosa é demasiado comum. Não me acho indivíduo que se desenvolveu excepcional por conta dele. A verdade é que venho dizer-lhes que, com espanto e horror, percebi que compreenderia ainda melhor a mitologia e as fábulas quando conhecesse mais do mundo real – do mundo adulto. Vou me abster de teorizar profundamente acerca do discurso narrativo, para que me seja possível desenvolver uma narrativa própria. Formalistas russos, Barthes e Foucault serão deixados de lado. Se é que a literatura não referencia a vida, e na verdade apenas se autoreferencia, meu próprio conto desmoronaria internamente. A questão é que fui eu quem desabou.

(Enquanto andava vagarosa, acompanhava os passos da prudência de Prometeu, cautelosamente planejando o meu caminho. Tentando acompanhar o ritmo dos demais, acabei deixando-me levar por Epimeteu. Invejei todas as qualidades dadas aos animais por ele e me permiti ser tomada pelo instinto pela primeira vez em minha vida...)

Uma fábula que não fui capaz de compreender inteiramente quando criança foi a da caixa de Pandora. Talvez porque não concordasse com a represália à curiosidade, ou talvez porque não conseguisse entender muito bem como todos os males do mundo couberam em uma única caixinha. Ainda criança sabia muito bem que o mundo possuía males suficientes para cobrir toda a superfície terrestre. Obviamente, meu primeiro erro foi fruto de não ter experiência de vida suficiente para poder compreender que a ignorância, em alguns casos, é, de fato, bênção. O segundo erro, é claro, foi o de interpretar a caixa de Pandora como sendo, objetiva e fisicamente, uma caixa. Cresci adolescente e jovem adulta contrária à autopreservação, para perceber pouco depois que o enrijecimento de meu espírito, a mágoa e a amargura acumuladas por tantas verdades não eram de todo algo positivo. Sim, eu quis ser iludida por mais tempo. Quis que mentissem para mim. Sussurros gentis em meus ouvidos, desembocando de lábios dóceis e traiçoeiros. Quisera não saber de sua traição. Que a caixa não tivesse sido aberta, escancarada, arremessada contra mim: direto em meus olhos. Fora da caixa a verdade era como ácido corrosivo, dissolvendo todo o amor que já armazenara em meu peito: todo o amor que um dia não coube dentro de mim, que foi professado em longas conversas pesarosas, em coreografias nos dias chuvosos, na mão que adormeceu agarrando firmemente a minha e recusou-se a me deixar ir.

Traição. Essa é a única palavra que me vem à cabeça. Que os eventuais leitores ou leitoras desse conto enfadonho me perdoem. Essa é uma história comum. Venho mais uma vez fazer uma confissão no único lugar que me é reservado para tal, visto que não piso em uma Igreja desde pequena e não possuo dinheiro para o psicólogo. Além disso, meus amigos já se cansam de escutar meu mesmo lamento. Conto então com a compreensão de vocês, pois que fui traída e agora desejo compartilhar o que eu própria fui capaz de compreender com isso. Finalmente entendo o mito de Pandora. Minha inocência foi usurpada completamente pela verdade, cruel e impiedosa. E nem fui eu quem optou por abrir a caixa, então, pergunto aos deuses inclementes: mereci essa punição?

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