quarta-feira, 15 de janeiro de 2014
Noite polar
Nestes teus olhos árticos que se recusam a me fitar, eu ousaria habitar. Inóspito, silencioso. Discreto, vacilas, mas te calas antes de poder qualquer coisa me confessar. Eu sigo em minha verborragia. Ébria, derramo besteiras nessa mesa de jantar. Mas como é que não te importas? Sempre tão sério, sóbrio quando em tua terceira dose de whisky. Vejo que abres um pequeno sorriso, inclusive no olhar. Com a ponta dos dedos, acaricia o meu queixo brevemente. Olho-te de maneira cortante: Queres que eu me cale, por acaso? Tu sorris maior, queres continuar a me ouvir. Eu floresço frente a tal gesto. Professo qualquer estupidez que me venha à mente. Parece ser nosso código. Parece um perfeito entendimento – ainda que seja apenas de momento, por acaso. De repente, te vejo espontâneo. Espontâneo como jamais foste. Abraçamo-nos em silêncio. Perguntas onde quero ir. Não sei dizer, a lugar nenhum. Abracemo-nos em silêncio, nesse escuro escarlate, com a música de fundo fading out ao som de tua respiração. Como é que me acalmas deste tanto? Me acalenta neste imperdoável inverno, eu suplico silenciosamente, com desejo condensado na minha respiração entrecortada. Não quero um grande amor, quero um grande amigo. Quero que sufoques minha solidão com estes braços firmes que agora repousam sobre meus ombros. Tão só quando comecei a partilhar esse sono infindável contigo é que tornou-se ele tranquilo. Tuas mãos em meus cabelos e meu sorriso contra o travesseiro. Tua sugestão silenciosa, minha preguiça esparramada com naturalidade em teu colchão. Ecoam os sinos das Grandes Esperanças, minha música favorita como despertador – the grass was greener, I know you like to think so when you talk about your lovely Brazil -, ovos fritos e café. Teu péssimo e encantador sotaque de inglês. Tuas tentativas falhas de falar português. Não quero um grande amor, quero um lar. Abrigo no exílio. Acolhe-me em teus braços enquanto podemos, não fujas. Te peço, em silêncio, no escuro. Antes de tudo és meu amigo. Permaneça!, ah, enquanto podes. Permaneça para que pereças em meus braços, na madrugada, no amanhecer. E me despertas. Para uma vida que já estava esquecida. Desesperançada. Para que possa encontrar confiança novamente em teus braços: renascida. Plácida. Imensamente agradecida. Em calor que tanto me faz falta. Retido em meus seios, nas pontas de meus dedos gélidos, na casca de meus lábios secos. E que palpita em meu coração. No que também opina o teu coração, frente ao estetoscópio de meu ouvido repousado no teu peito.
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