Você
já leu “A insustentável leveza do ser”? É que tem uma parte sobre isso, sobre
nossa vida ser só um rascunho que não vai dar pra passar a limpo. Que mais? Só
isso, que eu me lembre. Não me lembro muito, talvez eu esteja inventando. É, eu
vivo através desses livros mesmo, e depois que eu termino não consigo nem
lembrar direito sobre o que eles falavam. Talvez eu invente. Sabe o que? Também
não sei o que é o amor na vida real, mas se você quiser posso te mostrar um
trecho do Cortázar sobre isso. Ou Hilda Hilst sobre o desejo. Ah, mas esse
desejo eu sei bem como é. Já gozei por causa de um poema dela, foi melhor que
muito sexo. Não é querendo ser pedante não. E você acha isso mesmo da vida? Não
tem cultura, só instinto animal? Parece que eu sou o contrário, não tenho mais
instinto nenhum; saiu numa sangria de corte de página de livro. É, aqueles bem
chatinhos que são finos e ardem para cacete. Quando eu vi só sobrava referência
em mim, e de eu o que ficou? Não sei. Mas pra quem eu to falando, se você não
tá escutando? Sabe qual foi a pior coisa da minha bad trip de ácido? Eu achava que eu ia ficar presa na minha cabeça
pra sempre. Já é tão difícil que eu queira e consiga sair, fico só olhando as
pessoas, inerte, aparvalhada, me recusando a agir. Talvez por isso que eu goste
do encontro das águas com o céu no horizonte, é estável, não importa de onde
você esteja observando. Sempre 180 graus, sempre intransponível, inalcançável.
Que papo chato né? Lembrar que já tive com quem estudar a composição do
horizonte acreditando ser poeta me deixa um pouco triste. Acho que eu fico
nessa só tentando encontrar as justificativas pra não me mover. Sim, você tem razão, se mover é
um instinto também. Quando sentimos fome, procuramos comida. É mesmo? Quando a
gente tá sozinho a gente procura alguém e fode? Nossa, pra mim é o contrário.
Eu me sinto ainda mais sozinha. Acho que por isso que eu não trepo mais. Sério
que as pessoas se sentem menos sozinhas porque elas trepam? Bem, não tô
julgando não, eu até já fui assim. Trepava muito, até. Quer dizer, de repente
nem era tanto, mas hoje em dia até parece que foi. O bom é que não dava nem
tempo pra pensar. Mas e se eu te disser que eu nunca gozei do jeito que eu
gozei praquele poema? Vai ver eu sou mesmo é assexuada. Não tô criticando de
jeito nenhum quem é obcecado por sexo, longe de mim. Todo mundo é um pouco (ou
muito). Acho que eu tenho é um problema com expectativas. Nunca broxei tão
fácil quanto quando me disseram que queriam me ver gozar. Aí pronto, já era. Fiquei
consciente na mesma hora que ia ter que gozar pra agradar outra pessoa e não a
mim mesma. Que coisa doida, né, eu sei. Egomaníaca. Me sinto pressionada e não
consigo fazer nada direito quando parece que alguém espera alguma coisa de mim.
Nem isso. Mas gozar não é fácil não, você deve estar falando essas coisas aí
sobre foder desse jeito porque é homem. Não, claro que tem mulher que faz sexo
casual, pelo amor de deus, não foi isso que eu disse. Existe um número
infinitamente maior dessas mulheres do que homens que sabem fazer uma mulher
gozar, infelizmente. Sim, é lamentável. Todo mundo tem que trepar quando quer, com certeza. Mas vai dizer que a gente não tem que querer o tempo todo? Porque? Hoje em dia se vende um tipo de liberdade sexual que faz as mulheres fingirem que tão gostando de qualquer merda que vocês aprendem em filme pornô que nem de longe faz uma mulher sentir prazer. Vai começar a tirar onda que você sabe chupar uma mina
como ninguém, é? Às vezes vocês parecem o mesmo disco arranhado. Melhor voltar
pra dentro da minha cabeça.